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Armagedon - Um Mundo em Caos / Final Odyssey de Fernando Athayde dos Santos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Um Mundo em Caos - Livro II - Cap. 2

             O dia está anoitecendo e uma densa névoa está cobrindo a cidade, a temperatura está na casa dos cinco graus Celsius e a maioria das residências está com suas portas fechadas. E um pouco afastado da cidade, a beira do rio Guaíba, Miguel e Surya conversam.
― Não acha que já está na hora de seguirmos atrás do Cubo de Metatron? ― indaga Surya.
― Não sei. ― responde. ― Há tempos que nem sequer penso nisso. Sem falar que nem temos como nos deslocar pelo mundo. Iremos pagar como?
― Lembre-se que dinheiro nunca foi problema para nós.
― Isso numa época em que podíamos voar e tínhamos a nosso poder angelical para nos defender de eventuais ataques. Agora somos humanos, qualquer ferimento mais grave pode nos levar a morte e o pior, nem sequer sabemos para onde iremos após morrer.
― Provavelmente para o Inferno, é o único lugar que restou.
― Mas eu não acredito que todas as almas vão para lá. Muitos não merecem sequer chegar perto daquele pesadelo.
― E agora que o Lúcifer não é mais o todo poderoso, Belial deve estar dançando pelo Inferno.
― Eu só não entendo porque Deus não pensou em tudo que poderia acontecer com a morte dele e não deixou alguém em seu lugar? Isso é inconcebível!
― Miguel, você sabe muito bem quem deveria assumir o lugar dele.
― Eu sei, mas não havia um plano B? Sempre deve haver um plano B. Sendo onisciente e onipotente, Ele deveria saber muito bem o terror que isso causaria!
― E se isso for um teste? E se for nossa responsabilidade reerguer o Paraíso? Ele pode muito bem ter previsto isso e deixado que nós chegássemos a essa conclusão.
― Uma decisão não muito sábia da parte Dele. Como faremos isso sem o mínimo de poder? Enfrentar exércitos de demônios em tais condições só nos levaria a uma morte prematura.
― Eu não tenho uma resposta para isso, mas deveríamos tentar.
Nisso, a névoa que cobre as margens do rio se torna agitada e uma voz gutural é ouvida:
― Talvez eu tenha...
A névoa se movimenta vindo de todos os cantos e se acumula bem na frente deles e então começa a tomar forma sólida revelando um homem em mantos escuros. Seu cabelo é escuro e seus traços bem delineados caracterizam-no como um ser celeste. Seus olhos são vermelhos como o sangue e penetrantes. Em cada mão ele carrega um machado preso a correntes que se ancoram firmemente nos seus braços, tornando impossível sua remoção. Com o surgimento do ser, a margem do rio se torna extremamente iluminada.
― Quem é você? ― pergunta Surya tomando posição defensiva.
― Eu sou um dos primeiros, me chamo Anael, poucos me conhecem. Mas há meses venho observando vocês e aguardando o momento certo de me aproximar.
― Você está dizendo que é um anjo? ­ ― pergunta Miguel. ― É isto mesmo?
― Exato. ― responde sorrindo. ― Eu fui o terceiro anjo a ser criado e hoje sou um dos embaixadores dos planetas na Terra. Sou o embaixador de Vênus.
Quando ele profere essas palavras, seu manto se rasga revelando uma armadura negra como a morte, adornada com desenhos profanos por toda a sua extensão. As ombreiras de sua armadura lembram crânios humanos em sofrimento. Com isso, ele vira-se de costas para os dois e de dentro do rio puxa um elmo escuro que parece um crânio em desespero e o veste. Esse elmo é levemente aberto na frente, deixando parte de sua boca e nariz aparecerem, além é claro, de seus olhos. Ele então volta sua atenção para os dois ex-celestiais, e seus olhos parecem brilhar das profundezas de seu elmo.
― Não temam essa minha pequena mudança, mas essa armadura é necessária para intimidar os seres impuros que se aproximam. De fato, ela não exprime o meu caráter, fiquem certos disso. E posso ver certo questionamento no rosto de vocês do fato de eu ainda ser um celestial, mas adianto uma coisa, eu não tenho mais ligações com o Paraíso como vocês tinham. Deus nos desligou para no caso de acontecer alguma coisa, podermos fazer algo por aqueles que ficaram vivos. E é o que eu vim fazer.
― O plano B! ― pensa Miguel.
― Realmente eu ia perguntar isso a você. Mas você disse ser um Embaixador? ― indaga Surya. ― Nunca ouvimos falar.
― Somos os responsáveis pela influência dos planetas na vida dos homens. E há tantas coisas que vocês não sabem. Nem tudo o que acontece é ensinado pelo Paraíso, fiquem cientes disso. Mas eu não tenho muito tempo para fazer o que me trouxe até aqui, então vou ser rápido! Ouçam-me com atenção. O Cubo de Metatron está destruído.
― Destruído?!
― Sim, mas ainda é possível recuperá-lo se vocês voltarem no tempo. Ele está no deserto próximo a Jerusalém.
― E como faremos isso? ― pergunta Miguel. ― Nem quando éramos Arcanjos detínhamos tal poder. Só Deus podia abrir tal portal e viajar no tempo espaço.
― Há outro Embaixador que tem o poder para tal, mas para isso preciso que antigas amizades sejam reconstruídas. Pois é necessária a concordância dos três Arcanjos, essa é uma das ordens de Deus. Amanhã à noite estarei aqui junto com o outro Embaixador, caso não estejam todos, nada poderá ser feito.
E assim ele desaparece da mesma forma que surgiu.
― Vamos até o Gabriel! ― exclama Miguel. ― Não podemos perder tempo.
― Mas você sabe que a sua ida até ele poderá levar a uma luta. Lembre-se do que ele lhe disse quando deixamos o Inferno.
― Eu lembro muito bem, mas não é hora para pensarmos nisso! Irei convencê-lo do que se trata antes de começarmos uma luta imbecil.
― Se você diz...
E assim eles seguem correndo em direção a residência de Gabriel.
No caminho, Surya observa com o canto dos olhos um vulto segui-los por trás dos escombros e prédios abandonados.
― Miguel, há algo nos seguindo. ― alerta Surya.
― Eu sei ― responde ―, ele está nos seguindo desde o encontro com aquele anjo.
― E você não se preocupa com isso?
― Observe bem os movimentos dele e você verá quem é. Não é motivo para nos preocuparmos.
Surya analisa os movimentos do vulto que os segue e conclui:
― Realmente eu me preocupei a toa. Mas será que ele já sabe o que conversamos com aquele anjo?
― Acredito que sim. Talvez até saiba o que conversamos antes daquele sujeitinho aparecer.
― Sujeitinho?! Que maneira de se expressar.
Nisso, o vulto se movimenta velozmente e salta para o lado deles e corre de igual para igual.
― Vejo que já perceberam a minha presença aqui, já que nem se preocuparam quando saltei na direção de vocês.
― Rafael, eu percebi que você nos seguia desde o rio. ― fala Miguel. ― Precisa melhorar a sua furtividade ― avisa ―, pois você parece um elefante querendo se esconder atrás de um galho.
― Heheheh... ― Rafael sorri. ― Realmente eu sou péssimo nesse ponto.
― E então, o quanto sabe? ― pergunta Surya.
― Tudo. Ouvi o antes e o depois.
― Eu não disse? ― fala Miguel olhando para Surya.
― Disse mesmo. ― responde ela. ― Mas o que faz andando por aí à noite? ― pergunta para Rafael. ― Cuidando a vida alheia?
― Não. Na verdade eu percebi uma coisa estranha, um acumulo gigantesco de morcegos nas redondezas, como se estivessem criando um circulo ao redor de onde estamos. E ao observá-los, eu vi vocês seguindo em direção ao rio e resolvi segui-los. Achei que vocês também tivessem percebido esse comportamento estranho dos morcegos. Mas então na hora que eu ia embora surgiu aquele anjo e a conversa de vocês ficou bastante interessante. E antes que me perguntem, concordo em voltarmos no tempo.
― Sabia que é feio ouvir a conversa dos outros. ― fala Surya.
― Eu sabia, mas foi irresistível.
Miguel olha para cima e observa o vôo dos morcegos sobre eles.
― Vamos parar! ― alerta ele.
Todos param e Surya diz:
― Mas estamos tão perto da casa do Gabriel. Porque pararmos agora?
― Observe o céu...
Rafael e Surya olham para cima, e milhares de morcegos voam agitados sobre eles. Alguns dão rasantes, mas um deles permanece parado bem acima dos outros, como se os liderasse.
― Foi isso que eu disse antes. ― fala Rafael. ― Eles estão muito estranhos.
― Não são eles ― avisa Surya ―, mas sim ele.
― Ele?! ― pergunta Rafael.
― Mefistófeles. ― responde.
― O Lorde negro?
― Isto mesmo.
O céu escurece ainda mais e a colônia de morcegos que sobrevoavam os céus voam numa única direção para formar uma grande massa negra. O objeto negro cresce e engole os morcegos que ainda voavam ao redor e explode silenciosamente, revelando o Lorde Negro Mefistófeles, que abre suas asas enquanto observa os três ex-celestiais logo abaixo dele. E em seus braços carrega ancorado por grossas correntes dois machados negros.
― Por algum motivo eu sabia que hoje seria o meu dia de sorte. Nunca saio para procurar vocês, apenas dou ordens aos meus demônios para isso. Mas nas profundezas do Inferno senti um brilho estranho cruzando o Universo e resolvi subir a superfície para ver o que era. E olha quem eu encontro? Dois arcanjos e uma querubim. Eu sou ou não sou sortudo? Humm?
Miguel e os outros apenas observam o demônio, que agora desce vagarosamente até o chão.
― Ficaram mudos?
Mefistófeles se agacha e pega um pedra no chão e fica brincando com ela a entre os dedos. E então ele se vira para Surya e coloca a pedra entre o polegar e o indicador e a dispara contra a ex-querubim. A pedra voa contra seu alvo com a velocidade de um tiro e perfura o ombro de Surya, saindo do outro lado e atingindo uma parede de concreto logo atrás. Surya é arremessada para trás e cai de costas no chão, com seu ombro sangrando vertiginosamente. Miguel corre até ela e a agarra nos braços. Rafael se vira para Mefistófeles e diz:
― Saia daqui Miguel! Vá para casa do Gabriel que eu cuido desse demônio. Não temos tempo a perder! ― e se coloca em posição de combate.
― Como você pretende cuidar de mim se nem ao menos possui seus poderes celestiais? ― pergunta Mefistófeles.
― Um ser celestial não pode sempre contar com seus poderes divinos, por isso milhares de vezes treinamos sem o uso deles. E eu sempre fui o melhor dentre todos.
Nisso, Miguel sai correndo dali com Surya em seus braços. Mefistófeles apenas observa, mas nada faz.
― Bom, vou acabar com você e depois irei atrás dos seus amigos.
― Não pense que será assim tão rápido. ― e pensa: ― Isso, continue falando, assim o Miguel ganha tempo e você não irá mais encontrá-lo.
― Não sei por que, mas acho que você está querendo ganhar tempo para o seu amigo se esconder de mim.
― Heheh... Acho que você descobriu o meu plano. Então não me resta alternativa.
Rafael sai correndo na direção de Mefistófeles e salta com o braço direito recuado para trás pronto para desferir um potente soco. O demônio apenas dá um passo para o lado e golpeia Rafael com um soco no estômago o erguendo ainda mais e fazendo seu corpo curvar. Logo em seguida o joga para cima e na queda, o golpeia com um chute, fazendo-o deslizar pelo chão e abrir uma pequena estrada entre as pedras.
― Mas não se preocupe que eu não vou lhe matar. Preciso levar você e seus amigos vivos para Belial. Assim como Byleth fez com Lúcifer.
― Então Lúcifer foi aprisionado? Isso explica o seu sumiço antes de sairmos do Inferno. Por isso ele queria que fossemos embora o mais rápido possível. Mas ainda não consigo entender porque ele querer nos ajudar quando seria mais fácil nos entregar e salvar seu próprio rabo do fogo.
E Mefistófeles caminha lentamente na direção de Rafael.
― Não sei o que você está pensando, mas esse golpe que desferi em você não foi tão forte assim. Então se levante por gentileza, ainda quero socá-lo um pouco mais antes de entregá-lo.
Rafael se ergue do chão e diz:
― Mas desta vez serei eu a golpeá-lo!
― Nem com um milagre você conseguirá. E se conseguir, quebrarei seus principais ossos para que nunca mais consiga fazer isso novamente. Entendeu?
Rafael cerra os punhos e fecha os olhos como se meditasse perante o inimigo.
― O que pensa que está fazendo? ― e um brilho estranho chama sua atenção. ― Hummm?! O que é isso ao redor dele? Asas?! Mas como?! Deus está...
Antes que Mefistófeles possa concluir, Rafael está parado a centímetros de distância e desfere um soco com toda a sua força. Uma nuvem de poeira se ergue e pedras são arremessadas longe com a onda de energia que se espalha pelo campo de batalha. O demônio é lançado longe e mergulha desacordado dentro do rio Guaíba.
― Eu consegui!
Rafael cambaleia e cai desmaiado.
Perto dali, Miguel sente o tremor de terra, mas ao mesmo tempo avista uma luz dourada vindo do local do combate.
― Um anjo veio nos salvar? Será que eles resolveram vir mais cedo?
E então sobre um dos prédios surgem duas silhuetas conhecidas, uma masculina e outra feminina. Miguel pára e uma voz masculina pergunta:
― O que está acontecendo?
― Fomos atacados por um demônio! Nos descobriram, Gabriel!
E Gabriel salta ao lado de Miguel.
― Uma hora isso iria acontecer. Mas há um anjo lutando contra esse demônio, certo?
― Não sei, Rafael ficou para enfrentá-lo e eu vim com a Surya em meus braços para lhe pedir ajuda e conversar com você sobre algo que aconteceu mais cedo.
E nisso, a silhueta feminina salta do prédio revelando ser Jennifer.
― E nós iríamos atrás de você para falar sobre uma conversa que o Gabriel e eu tivemos agora a pouco.
― Mas isso pode ficar para depois ― fala Miguel apressado ―, o que eu tenho para dizer é mais urgente! Precisamos deixar de lado essa nossa briga imbecil, pois precisamos voltar no tempo e dois anjos irão nos ajudar. Nessa época o Cubo de Metatron foi destruído, mas ainda pode ser recuperado se voltarmos no tempo. Mas para isso precisamos voltar a ser amigos, essa é a condição deles. E eu lhe peço desculpas por ter aceitado a ajuda de Lúcifer, mas foi à única alternativa para nos mantermos vivos.
― Eu sei, demorou, mas compreendi a sua atitude. E nunca deixei de ser seu amigo, mas certas mágoas permaneceram vivas e eu precisava matá-las. Agradeça a Jennifer por isso.
― Amigos então? ― pergunta Miguel estendendo a mão para Gabriel.
― Sempre! ― responde Gabriel apertando a mão de Miguel.
E então, um vendaval levanta poeira no chão e Mefistófeles pousa na frente deles carregando Rafael.
― Que lindo encontro. Todos juntos. Isso vai ser tão divertido. E vocês me pouparam tempo de sair perseguindo um por um.
E joga Rafael aos pés de seus amigos.
Miguel olha para o rosto do demônio e percebe algo de diferente.
― Você não estava tão deformado assim quando eu saí e o Rafael ficou enfrentando você. Foi ele que...?
― Ora, cale-se!
― Então aquele clarão que só os anjos produzem foi ele! Mas como?! ― Miguel se pergunta.
― No momento, eu acho melhor vocês se preocuparem consigo mesmos. E não com o que ele conseguiu. ― fala Mefistófeles.
Gabriel dá um passo à frente e diz:
― Se ele conseguiu, nós conseguiremos também. Não é Miguel?
― Com certeza! Nunca brinque com a gente, demônio!
Nisso, um ser fantasmagórico surge em cima de um dos prédios destruídos e diz:
— Cumpram seus destinos e deixem Mefistófeles comigo!
— Eu conheço essa voz. — fala Mefistófeles.
— Claro que conhece demônio, nos enfrentamos centenas de vezes no decorrer dos séculos. Mas nunca pude matá-lo devido às intervenções superiores, mas hoje, é tudo diferente, finalmente poderei esmagá-lo sob a sola da minha bota!
— Palavras, palavras, palavras... Nunca passam de palavras. E ameaças nunca passam de ameaças. Você não passa de um cachorro preso numa coleira, Barkaial! E basta um chute na sua cara para você calar a boca.
— Barkaial?! — exclama Miguel em pensamento.
O ser fantasmagórico desaparece de cima do prédio e começa a se materializar na frente deles e então se revela um ser esquelético de pele branco-azulada esticada sobre sua estrutura óssea, trajando uma armadura pesada ornada com símbolos arcanos que cobrem sua forma esquálida. Seu pesado elmo ostenta dois chifres curvados nas laterais e através de sua abertura frontal, é possível ver suas orbitas oculares mostrarem um maléfico brilho avermelhado. Suas manoplas terminam em verdadeiras garras metálicas. E nas costas há um par de espadas.
— Chegou a hora!!! — exclama Barkaial, sacando suas espadas.