Alguns
minutos antes.
Belial
e Yulia continuam parados na praça central de Moscou e um clarão surge no céu e
uma figura masculina alada pousa bem próxima a eles.
—
Eu já esperava por você. — comenta Belial.
O
homem ergue a cabeça e revela ser Gabriel, o Arcanjo mensageiro.
—
Eu vim acabar com essa mulher! — e caminha em direção aos dois. — Então saia da
minha frente, criatura asquerosa! — ordena.
—
Gabriel, você nem é o mais poderoso dos Arcanjos para pensar em me dar ordens. —
fala Belial. — E acredito que nem o mais poderoso de vocês seria capaz disso.
Acredite quando eu digo, nem Miguel seria capaz.
—
Você fala demais, vil criatura! Se você quer tanto se pôr no meu caminho, será
o primeiro a tombar!
—
Você realmente não sabe quem sou, não é?
—
E nem me interessa saber. — responde. — Você cairá e nunca será lembrado.
—
Sabe qual é o problema de vocês Arcanjos? É pensarem que são deuses! Mas vocês
não são! Entenda isso!
—
Cale-se! — exclama. — Eu sou um Arcanjo! Chefe de minha própria Legião de anjos
guerreiros! Possuo mais de mil anjos sob minhas ordens! E quando eu ascender
novamente, juro que irei descer até as profundezas do Inferno e caçarei cada um
dos demônios restantes!
—
Você é arrogante demais. Se acha invencível. Indestrutível. Mas eu vou lhe
mostrar que existem seres muito mais antigos e fortes que você. — avisa.
Gabriel
sorri e se lança em ataque. Ele cerra o punho e prepara um poderoso soco, mas
Belial segura o punho de Gabriel parando o golpe. E com uma leve pressão nos
dedos, quebra os ossos da mão do Arcanjo.
Um
urro de dor é proferido através das cordas vocais de Gabriel.
—
Eu lhe avisei que existiam seres muito mais fortes e antigos que você. Como que
pode nunca terem falado sobre a minha pessoa no Paraíso. Como pode Metatron
nunca ter comentado sobre a minha existência. Até me sinto insultado com isso.
— e encara Gabriel. — Garoto! Eu fui o primeiro!
E
um golpe vindo de baixo atinge Gabriel no flanco esquerdo e o joga longe.
Gabriel se apóia no chão e Yulia dá um passo à frente e diz:
—
Pequeno pássaro, Lorde Belial é o mais poderoso dos demônios infernais. Ele é
um rei no Inferno. Possui seu próprio reino e nem mesmo Lúcifer ousou
enfrentá-lo. E não esqueça que Lúcifer rivaliza com Miguel em força,
inteligência e liderança. Mas Belial é muito superior aos dois juntos. Belial
foi o primeiro Arcanjo da criação na hierarquia celestial. Antes de Lúcifer,
outro Arcanjo se rebelou, e é este que está na sua frente. Lúcifer foi o
segundo. A história foi maquiada para vocês nunca saberem que seu Deus não é
perfeito. E devido a tal rebelião, Belial foi transformado em um dos demônios
do Apocalipse.
—
Não pode ser. — murmura Gabriel. — Porque nunca nos falaram sobre isso? Como
puderam esconder isso de nós. Eu que sempre segui todos os preceitos divinos,
sempre fui leal e agora ouço isto? Que a história que eu conheço não é a
verdadeira, que Lúcifer na verdade foi o segundo a se rebelar? — fala,
consternado. — Mas eu não vou me deixar derrotar! Preciso ir até o Altíssimo e
perguntar isso pessoalmente! — e se ergue.
—
Creio que não haja tempo para você poder ir até Ele fazer essa pergunta. —
comenta Belial. — A chuva já vai começar.
—
Como assim? Não há tempo?
—
Mais alguns minutos e você compreenderá o que estou dizendo. Não vou dizer por
que será mais divertido você ver com seus próprios olhos.
—
Eu vou acabar com isso de uma vez! — esbraveja Gabriel, se lançando em ataque
mais uma vez.
—
Criatura ignorante. — suspira Belial. — Ninguém pára o Apocalipse, nem o
próprio Deus.
Gabriel
ataca com a mão boa, mas Belial mais uma vez segura o ataque e desta vez
golpeia o braço do Arcanjo e o quebra, deixando uma fratura exposta. Gabriel
cai de joelhos no chão com o braço esticado, e Belial o chuta forte no rosto.
Gabriel sai deslizando pelo chão e abrindo uma vala por onde passa. O desmaio é
inevitável.
Belial
ergue a cabeça e pressente a chegada de alguém.
—
Mais um Arcanjo se aproxima. — fala, olhando para Yulia.
—
É Miguel?
—
Creio que sim. E meus dois demônios foram derrotados... Naamah acabou de ser
destruída. — e baixa a cabeça. — Aquela ex-deusa não pode ter derrotado ela.
—
Deve ter sido aquela mulher-Arcanjo.
—
Também acho. A aura dela é menos poderosa do que essa que se aproxima agora.
Mas há outras duas não muito longe daqui. Uma é negra como a noite e emana
morte e sofrimento. A outra é calma e tranqüila. Vinha se movimentando velozmente
nesta direção, mas num determinado ponto diminuiu a velocidade e permanece
assim desde então.
—
A aura negra é de Lúcifer?
—
Exato. A aura dele ainda é semelhante à de um Arcanjo, só que ao invés de luz é
trevas.
—
O que será que ele está tramando?
—
Não faço idéia. Mas duvido que seja nos atacar. Lúcifer não é burro. O que quer
que ele faça, não será diretamente. Passo a acreditar até em ele querer forjar
uma aliança.
Nisso,
Miguel pousa violentamente próximo a Gabriel, afundando o asfalto e abrindo uma
cratera. Sua expressão é séria e seu corpo está rijo como uma rocha.
—
Enfim, o General Celestial resolveu aparecer. — fala Yulia.
—
A festa está quase completa. — comenta Belial, sorrindo.
Próximo
dali, Raguel pousa atrás de um grande prédio e Jennifer se solta dela.
—
Eu quero que você fique aqui. — pede Raguel. — Ainda não sei o que está acontecendo
lá, mas sinto que alguma coisa ruim aconteceu, só não sei o que.
—
Você acha que o Miguel morreu? — pergunta aflita.
—
Nada tão sério assim. — responde. — É que sinto duas auras bem fracas lá.
Acredito que uma seja do Miguel e a outra do Gabriel. E antes de ir, preciso
que você fique em segurança aqui. Não posso me preocupar com você no caso de um
ataque repentino. Me entende?
—
Claro que entendo. — responde. — Eu ficarei aqui lhe esperando. Não se preocupe
comigo.
Raguel
assente com a cabeça e alça vôo em direção ao céu. Alguns minutos depois, ela
está sobrevoando a praça e avista Miguel caído no chão. Ela dá um rasante e
pousa ao lado do Arcanjo. Raguel se agacha ao lado dele e ergue levemente sua cabeça.
—
Está tudo bem com você? — pergunta.
—
Sim. — murmura.
—
O que aconteceu aqui? — e olha para os lados avistando Gabriel e Rafael
desacordados, caídos no chão. — Vocês derrotaram o Cavaleiro?
—
Sim. — responde. — Foi uma luta difícil, eles eram muito fortes, mas no final
nossa força prevaleceu.
—
E o Gabriel e o Rafael estão...
—
Vivos? — completa. — Sim, estão, minha leal amiga.
—
Leal amiga?! — pensa. — Ele nunca me chamou assim. — e olha Miguel bem nos
olhos e percebe um brilho diferente em seu olhar. Um brilho que lembra a morte.
— Você não é o... Agh! — sangue brota de sua boca e ao olhar para baixo, a mão
do Arcanjo está enterrada em seu abdômen.
—
Realmente eu não sou o Miguel. — responde. — Eu sou o demônio da criação de falsidades
que parecem bem reais. Eu sou um dos presidentes das regiões infernais que
Belial é o Rei. E você caiu como um patinho na minha armadilha. Deixou-se levar
pela emoção e não viu as evidências que normalmente me denunciam. No meu caso,
meus olhos.
O
cenário a sua volta começa a transmutar e a verdadeira cena aparece. Um demônio
está prendendo Miguel com os braços em volta de seu pescoço e ao seu lado em
pé, está uma mulher loira, Yulia. E mais ao longe, se encontra Gabriel caído ao
chão, desacordado.
Raguel
olha novamente para o falso Arcanjo e agora ele está em sua verdadeira forma. A
criatura tem aparência humanóide, e veste um amplo robe negro sobre uma brunea.
Raios vermelhos irradiam de seus olhos. E as órbitas do elmo metálico irradiam
uma luz ameaçadora.
—
Eu não consigo me mexer! — pensa, tentando movimentar o corpo. E ao tentar
falar, sua boca não se movimenta.
—
O que foi? Não consegue se mexer? — pergunta o demônio em tom sarcástico. — É o
efeito do veneno que existe sob minha pele. Ele tem o poder de paralisar quem
me toca.
Raguel
arregala os olhos e sua expressão é de puro pavor. Nesse momento, a
mulher-Arcanjo se torna uma menina, com os mesmos sentimentos humanos e o medo
de morrer. E para os seres Celestiais, a morte é o fim de tudo, pois ao
contrário dos humanos, não possuem uma alma para ascender ao Paraíso.
—
Eu consigo ver o medo em seus olhos. Consigo sentir o suor frio percorrer seu
corpo. Jamais pensei que seres Celestes possuíssem tal sentimento. Um
sentimento tão humano. E agora eu me pergunto, você também sente dor? — e
enterra o braço mais fundo no corpo de Raguel, indo próximo ao coração.
Os
olhos dela reviram e lágrimas pingam sobre o rosto do demônio.
—
Aí está a resposta para a minha pergunta. Você sente dor, sim. Engraçado isso.
— e sorri maleficamente.
E
próximo dali, Belial assiste a tudo e obriga Miguel a assistir também.
—
Está faltando um Arcanjo não está? — pergunta Yulia.
—
Sim — responde Belial, — e falando nisso, sinto uma aura se mover velozmente em
nossa direção. — e olha rapidamente para o demônio que está junto de Raguel e
ordena: — Zagan, mate-a de uma vez! Mais um Arcanjo se aproxima!
—
Não faça isso. — suplica Miguel. — Não a mate, por favor, eu lhe imploro.
Belial
olha para Miguel e sorri.
—
Acabe com ela de uma vez! — grita Belial.
—
Nããããããããooooooooo!!!! — berra Miguel.
Zagan
afunda a mão no abdômen de Raguel e ao puxar o braço, vem trazendo na mão o
coração todo ensangüentado da mulher-Arcanjo ainda batendo. O demônio empurra o
corpo de Raguel para o lado e se levanta erguendo o coração como um troféu.
Nisso, um homem alado vestindo roupas negras dá um rasante e agarra Zagan pela
cintura e o eleva aos céus. Lá em cima, desfere centenas de golpes e segura o
demônio pelos ombros e o rasga em dois. Sangue jorra das duas partes do corpo e
o homem alado joga as duas metades lá de cima. Antes mesmo que os pedaços
atinjam o solo, ele desce em velocidade sobrenatural e pousa ao lado do corpo
de Raguel. Ele se agacha e carinhosamente passa a mão no rosto dela.
—
Minha doce criança. — e tira o capuz, revelando ser Rafael. — Me perdoe por eu
ser tão estúpido e deixar que vocês viessem sozinhos. Eu estava tão imerso em
minhas memórias que me isolei de todos em um vulcão na Itália. E quando eu
estava vindo para cá, me deparei com a presença de Lúcifer próxima daqui e reduzi
minha velocidade significativamente. Eu errei. E sei que jamais terei seu
perdão, pois nunca poderei ouvi-lo de você. Mas espere aqui, irei eu mesmo
acabar com eles e então levarei seu corpo de volta ao Paraíso para que lá descanse
para sempre.
Rafael
se ergue do chão e vira-se para Belial, o olhando friamente. Os olhos do
Arcanjo em nada se parecem com o que se lê nas escrituras. Não há nada de
benevolência e bondade neles, apenas ódio e desejo de vingança.
—
Solte Miguel. — ordena Rafael. — Vamos lutar você e eu! — e suas asas se abrem
em esplendor.
—
Não. — responde. — Eu não irei lutar com você. — e golpeia Miguel na nuca, que
cai desacordado no chão.
—
Covarde! — esbraveja. — Vai se esconder atrás dessa mulher? Que, aliás, eu sei
que é o primeiro Cavaleiro do Apocalipse!
—
A minha função aqui não é lutar com ninguém — explica —, apenas assistir e
barganhar o espaço que os demônios terão após o fim de tudo. E o seu adversário
não serei eu, mas ele. — e aponta para o céu.
Uma
fenda negra começa a se abrir no céu e um ser humanóide vigoroso e musculoso começa
a sair. Ele tem mais de três metros de altura e sua pele tem uma coloração
negra intensa e coberta com pele de animais. Seus traços são acentuados, com
orelhas pontudas e um nariz afilado. Seus olhos amarelos são marcados pela
crueldade e brilham quando a criatura se movimenta. E dentes amarelados são
visíveis sob uma boca escancarada, que a criatura sorri enquanto empunha seu
martelo de batalha.
—
Conheça Abaddon, um dos Anjos Destruidores do Apocalipse. — fala Belial, apresentando
a criatura, que nesse momento pousa ao lado dele.
—
Anjo?! — exclama Rafael.
—
Sim. E designado por Deus para matar quem quisesse impedir os Cavaleiros ou nós
demônios. Vocês já tiveram a sua participação nesse mundo. Agora é a nossa vez
de governar e instaurar o caos! Aceite que vocês perderam. Será mais fácil de
encarar o que se aproxima. Pois nada dura para sempre, nem mesmo a fria chuva
de novembro.
—
Eu jamais permitirei que vocês transformem a Terra em um novo Inferno! Demônios
imundos! — esbraveja. — Nem que para isso eu tenha que matar um por um de
vocês!
—
Aceite a verdade, garoto, a era dos demônios chegou. — proclama.
—
Não se eu puder impedir! — fala Rafael, tomando posição de combate.
Abaddon
dá um passo à frente e pela primeira vez se pronuncia:
—
Arcanjo, se eu fosse você sumiria daqui. Há milênios desejo enfrentá-los e
quando eu começar, pode ter certeza que só irei parar quando ver o seu corpo
inerte no chão.
—
Não serei eu a perecer nesse combate! Venha anjo destruidor, venha me
enfrentar. — o desafia e pensa: — Com todo esse tamanho, ele deve ser lerdo
como um elefante.
Abaddon
sorri e desaparece diante dos olhos de Rafael.
—
Para onde ele foi? — exclama.
O
anjo destruidor surge na frente de Rafael e o golpeia com um soco no abdômen.
— Urfff! — Rafael cospe sangue e cai de
joelhos no chão. — Ele é veloz demais. — pensa. — Só consegui vê-lo quando ele
reduziu a velocidade para me golpear. Preciso ficar mais atento. Me enganei
achando que ele seria lerdo devido ao tamanho avantajado.
Rafael
recolhe as asas e se ergue do chão. Sem as asas, sua mobilidade terrestre
aumenta consideravelmente. Sem falar na redução de peso, que aumenta sua
velocidade e muito.
Abaddon
fica apenas o observando, e Rafael toma a iniciativa do ataque. Ele se lança
sobre o anjo destruidor e o ataca com uma saraivada de golpes. Abaddon defende
facilmente os golpes utilizando o cabo de seu martelo de batalha, e então
golpeia Rafael violentamente na cabeça. O Arcanjo sai voando como se fosse um
pedaço de carne arremessado longe. Ao cair no chão, sai rolando feito uma bola.
Abaddon
olha para Belial e sorri, batendo com seu martelo no chão.
Rafael
pára de rolar pelo chão e fica estirado no meio do asfalto, com sangue vertendo
de sua cabeça, e olhando para as nuvens que se movimentam lentamente para o
leste.
—
Jamais pensei que existiria alguém tão forte. — pensa. — Só não entendo por que
Deus criou uma criatura tão poderosa para nos impedir. Ele criou esse mundo com
todo o seu amor e ama cada ser vivente, porque iria querer destruí-lo? Não faz
sentido isso. E esse demônio falou que esse tal de Abaddon era um dos Anjos
Destruidores, isso quer dizer que existem outros. Será que são tão poderosos
quanto ele? — divaga. — Nós Arcanjos éramos para ser os seres mais poderosos e
os primeiros na linha de combate. Mas nunca enfrentamos criaturas tão
poderosas, que rivalizam, tenho certeza, com os Serafins. E porque até agora
nenhuma hoste de anjos guerreiros vieram nos ajudar? — se pergunta. — Onde
estão as minhas legiões de anjos? Porque me abandonaram? Porque o Criador me
abandonou a morte? Nada mais faz sentido. Nem mesmo a nossa própria existência.
Preferia ter permanecido alheio a tudo isso, sem nunca lembrar quem eu
realmente sou. Mas infelizmente minha mente foi despertada. Despertada apenas
para eu assistir o fim do mundo sem poder fazer nada. Que grandes guerreiros
nós somos.
Rafael
lentamente se ergue e senta-se no chão com as pernas cruzadas.
Abaddon
ergue o martelo do chão e sai caminhando na direção do Arcanjo.
—
Então, você está vivo. Eu não acreditava mesmo que você pudesse morrer assim
tão facilmente.
Rafael
encara o anjo destruidor e declara:
—
Atinja-me, se você quer me matar.
O
que ele diz surpreende a todos, mas não tanto quanto a Belial, que fica
aturdido. Pois acreditava que os Arcanjos jamais se dariam por vencidos. E por
incrível que pareça, ele não acredita no que acabou de ouvir.
—
O que foi? — pergunta Yulia, pondo a mão sobre o ombro do demônio.
—
Nada. Apenas um mal-estar. — responde. — Deve ser a falta de costume a respirar
esse ar terreno.
Abaddon
se aproxima de Rafael e diz:
—
Hehehe... Arcanjo, você está provando um pouco do sofrimento característico dos
humanos e ficou tomado pela vontade de morrer?
—
Esmague a minha cabeça, mas não erre.
—
Você é insolente. Mas vejo que seu olhar está morto. O olhar de raiva que você
tinha quando me atacou... Aquele olhar que lhe dá esperança e força para viver.
Você perdeu esse olhar, vejo que agora está impaciente para morrer. Está se
sentindo traído, não está? Pobrezinho. Você me dá nojo! Você quer morrer? Um
ser como você, que se banha no sangue alheio? Sinceramente, você é repugnante.
—
Você também fede a sangue. — replica. — Como quer me dar lição de moral, se
você derramou tanto sangue quanto eu?
—
Mas eu só enfrentei os fortes. — treplica. — E pelo menos, eu não levei uma
vida como a sua. Você não passa de um lixo que se debate para viver. — e gira o
martelo no ar e o arremessa em direção a Rafael.
Rafael
fecha os olhos e o martelo passa zunindo no ouvido do Arcanjo e atinge o
asfalto mais atrás, abrindo uma enorme cratera.
—
Eu poderia ter morrido agora... — pensa. — Tão rápido que meu cérebro não teria
nem tido tempo de reagir. Se ele esmagasse a minha cabeça, teria sido o fim. Pffff!
Então sou capaz de experimentar o medo de morrer...
Abaddon
sacode a cabeça e acerta um chute no rosto de Rafael, o fazendo sair rolando
pelo chão e atingir a parede de um enorme prédio.
—
Não quer lutar?
Rafael
nada responde.
Abaddon
o agarra pelo pescoço, e golpeia-o várias vezes com socos e o arremessa longe.
Rafael cai no chão e fica inerte.
—
Não faça cena! — exclama o anjo destruidor. — Eu nem atingi seu coração para
você morrer e muito menos bati assim tão forte em você. — e sai caminhando. —
Isso já está ficando chato.
Rafael
permanece inerte e sem dizer nada. Abaddon pára ao lado dele e começa a
chutá-lo sem parar.
—
Quer uma motivação para lutar? Que tal se eu matar o seu amiguinho Arcanjo? — e
continua chutando Rafael no chão. — Nem assim você se motiva? Está certo, eu vou
te matar então!
Abaddon
estica o braço, e o martelo sai voando de onde está e pára nas mãos dele. O
anjo destruidor ergue o martelo sobre a cabeça de Rafael e se prepara para
esmagá-la, quando uma flecha corta o ar e atravessa as mãos dele, o obrigando a
largar o martelo. Rafael olha na direção de onde veio a flecha e vê Jennifer
parada segurando uma besta dourada nas mãos e já preparando outra flecha. E de
outra direção, surge Surya — carregando uma espada presa a cintura —, pousando
ao lado de Rafael.
—
Surya?! — se surpreende o Arcanjo.
—
Pensou que eu deixaria você morrer? Infelizmente não conseguimos chegar a tempo
de salvar Raguel. Mas você e Miguel não morrerão hoje, pode ter certeza disso.
—
Então ela voltou a ser uma deusa? — pergunta, ajoelhando-se com uma perna a
frente da outra.
—
Não — responde —, mas eu fui buscar a arma dela no Olimpo. Não me permitiram,
mas mesmo assim eu fui. E Zeus a entregou sem pestanejar.
—
Sempre desobedecendo as ordens. — comenta. — Estava com saudades de você.
—
Eu também. — retribui sorrindo. — E fica parado enquanto eu curo seus
ferimentos.
Belial
sai de perto de Yulia e exclama batendo palmas:
—
Bela cena! Comovente mesmo! — e olha para Jennifer e vê que ela o está seguindo
com a mira da besta. — Não imaginava que a deusinha ali ainda possuía a besta
sagrada dela. Jogada de mestre! — elogia. — E Abaddon, fique parado onde está.
— ordena. — A flecha daquela besta pode matá-lo facilmente. Não importa quão
dura seja a sua pele.
—
Então você já saiu do seu buraco imundo, Belial. — fala Surya. — Achei que isso
só aconteceria mais para o final do Apocalipse, pois a Besta ainda nem apareceu
e Behemoth ainda dorme. Resolveu mudar os planos? Para quem viveu desde a queda
no lado mais escuro do Inferno, você está enxergando muito bem. — instiga.
—
Planos foram feitos para serem mudados não concorda? — Surya assente com a
cabeça concordando e, ele continua: — Então, eu precisava barganhar alguns
favores para o meu lado. Por isso decidi agir antes. E eu havia ouvido boatos
sobre a interferência de certos Arcanjos que viviam aqui na Terra como humanos.
Daí eu acelerei as coisas.
Com
uma rápida olhada para Yulia e depois para Belial, Jennifer percebe a distância
em que os dois se encontram e mira rapidamente sua besta na direção do coração
da mulher e dispara. A flecha zune cortando o ar, e chama a atenção de Belial
que se vira para trás e olha a flecha se aproximando mortalmente do peito do
Cavaleiro. A flecha crava no peito da mulher e ao mesmo tempo, uma estrondosa trombeta
soa, ecoando por todo o mundo e fazendo tremer o chão. Sangue brota do peito de
Yulia e ela despenca de costas no chão. Belial solta um urro de raiva e corre
na direção da mulher. Com isso, Surya abre as asas e num rápido vôo, agarra
Miguel e Gabriel e os traz para perto dela e de Rafael. Jennifer aproveitando a
distração de Abaddon e Belial, preocupados com Yulia no momento, corre na
direção de seus amigos e se junta a eles.
—
Como eles estão? — pergunta Jennifer para Surya.
—
Feridos, mas bem. — responde. — Agora vou curar parte desses ferimentos deles e
em segundos estarão em pé ao nosso lado novamente. E não pare de manter eles na
sua mira. Ninguém escapa das flechas de sua besta.
Rafael
se ergue do chão e bate o pó da roupa.
—
Nos ver reunidos novamente acendeu meu espírito de luta. Pena Raguel não poder
compartilhar desse sentimento. Mas eu prometi levar o corpo dela para descansar
no Paraíso. Irei deixá-lo no Éden, onde se manterá intacto para sempre.
Belial
vira-se para onde se encontram Rafael e os outros e berra:
—
Essa garota maldita matou minha única chance de sair daquele buraco que Deus me
colocou! E por isso eu vou matar vocês da forma mais cruel possível!
Jennifer
dá um passo à frente e com a besta em punho, avisa:
—
Se você ousar nos atacar, uma flecha irá perfurar a sua cabeça. Essa besta não
erra o alvo, não importa o quanto ele seja rápido, a velocidade da flecha será
sempre dez vezes mais rápida. Então se não quiserem morrer igual a ela, dêem
meia-volta e vão embora. Aproveitem que ainda estou dando essa oportunidade a vocês.
—
Malditos! — esbraveja e olha para Abaddon. — Não há mais lugar para nós aqui,
anjo destruidor. Vamos embora.
Belial
— com seu orgulho ferido — e Abaddon saem caminhando vagarosamente.
Nisso,
Miguel e Gabriel acordam.
—
Onde eu estou? — pergunta Miguel como se saído de um transe. — Para onde vocês
me trouxeram?
—
Calma. — fala Jennifer, sem tirar Abaddon e Belial da mira. — Você está bem
agora. Conseguimos derrotar o Cavaleiro do Apocalipse e impedirmos o fim do
mundo bem a tempo.
—
Então quer dizer que trouxemos a paz de volta a esse mundo? — fala Miguel se
levantando. — Que bom que vocês conseguiram. Eu fui fraco e acabei sendo
derrotado por Belial.
—
Não esqueça que eu também fui. — fala Gabriel. — Nós dois fomos fracos e fracassamos.
— e olha para os lados. — Onde está Raguel?
—
Infelizmente ela não conseguiu. — responde Rafael. — Um demônio chamado Zagan,
a matou antes que eu conseguisse chegar a tempo de salvá-la. Me perdoe.
—
Não tenho porque perdoá-lo, Rafael, estávamos numa luta de vida ou morte e
baixas fazem parte, infelizmente. Mas irei dar o enterro que ela merece no
Paraíso.
—
O Rafael... — e Surya é interrompida por Rafael.
—
Eu ia aconselhá-lo a fazer isso mesmo. — fala Rafael. — Ela merece um enterro
digno.
—
Onde está o corpo dela? — pergunta.
Rafael
aponta na direção de um banco. Gabriel sai caminhando e de repente, uma pressão
descomunal atinge todos, os fazendo caírem de joelhos no chão e se apoiarem com
as mãos. Nuvens negras como uma noite sem estrelas começam a se formar e raios
passam a cortar o céu fustigando o chão que tocam.
—
O que está acontecendo?! — exclama Rafael.
—
Não sei, mas esse poder é grande demais! — fala Miguel.
Nisso,
Yulia se ergue do chão e sua fisionomia mudou, seu rosto agora carrega os
sinais da destruição, seu olhar brilha como a morte e seu sorriso é traiçoeiro
como uma cobra peçonhenta. E com isso, o primeiro Cavaleiro, a Conquista,
finalmente desperta por completo.
—
Belial! — chama Yulia. — Não há mais o que temer. Esses pobres Arcanjos se
matarão ao presenciarem o que irá acontecer em seguida.
Miguel
e os outros apenas se olham, mas nada dizem. Belial e Abaddon sorriem
maleficamente e passam a olhar para o céu, onde as nuvens tomam o tom vermelho
do sangue. Centenas de milhares de relâmpagos estouram e começa a cair a chuva.
Mas não é uma chuva comum, é uma chuva de sangue, morno como o sangue que corre
nas veias dos vivos. Miguel abre a palma da mão e deixa a chuva cair sobre ela,
onde uma pequena poça de sangue se acumula. Ele aproxima a mão do nariz e sente
o cheiro metálico característico do sangue. Nisso, penas sujas de sangue
começam a cair e ao olharem para o céu, avistam milhares de anjos despencando
como se fossem pedras. Corpos alados despedaçados começam a se amontoarem sobre
os prédios e as ruas no mundo todo. Yulia desenha um arco com as mãos, e os
anjos batem numa redoma invisível e saem rolando em direção ao chão.
—
Não podemos deixá-los morrerem! — fala Miguel. — Não conseguiremos salvar
todos, mas precisamos tentar salvar os que pudermos!
—
Você tem razão! — concorda Gabriel.
—
Eu vou com vocês! — fala Rafael.
Ao
tentarem abrir suas asas, nada acontece. Elas permanecem recolhidas dentro de
seus corpos.
—
O que está acontecendo?! — exclama Miguel. — Porque minhas asas não se abrem?
—
Deus morreu. — avisa Surya com lágrimas nos olhos. — Não somos mais Arcanjos ou
Querubins. Somos humanos de agora em diante.
—
Não! — fala Miguel caindo de joelhos no chão e socando o asfalto, inconsolável.
— Porque ele morreu? Deus jamais morreria! Ele é a entidade mais poderosa
existente. É um ser eterno!
—
Não, Miguel, um dia isso iria acontecer, só não se sabia se ia coincidir com o
Apocalipse. Já que era o que todos temiam. Ele morreu devido à idade avançada.
— responde. — E quando isso acontecesse, nós Celestiais perderíamos o nosso bem
mais precioso, a nossa aura. E foi o que aconteceu. Infelizmente os nossos
irmãos Celestiais estavam velando os últimos dias do Altíssimo e agora estão
caindo do Paraíso e morrendo na Terra. Serafins, Querubins, Ofanins, Arcanjos,
Anjos... Todos.
—
Então era isso que eles queriam dizer quando falavam que a chuva já iria
começar. — comenta Gabriel. — Todos mortos... Deus, minha Legião de Anjos
Guerreiros, meus amigos, meus irmãos de armas... Não resta mais nada. Acabou. —
e cerra os punhos com lágrimas nos olhos. — Mas mesmo sendo humano, eu vou
tentar. — sussurra.
—
Tentar o que? — pergunta Rafael.
—
Isto! — responde Gabriel, saindo correndo na direção de Yulia.
Yulia
movimenta a mão deslocando o ar, e Gabriel é arremessado para trás, caindo
próximo de seus amigos.
—
Mesmo que você fosse um Arcanjo, o resultado seria o mesmo. — comenta Yulia. —
A diferença de poderes ainda seria abissal. Somente um exército de Serafins
conseguiria me enfrentar de igual para igual ou o desaparecido Metatron. Ele
com certeza teria poderes para isso. Mas agora deve ser apenas um velho a beira
da morte vagando pelo mundo.
—
Um velho... — pensa Miguel. — Será...?
Yulia
olha para Abaddon e ordena:
—
Esmague-os! Cansei da presença deles! Quero-os mortos agora!
—
Com prazer. — responde Abaddon.
Jennifer
aponta a besta para ele e avisa:
—
Pare onde está ou eu atiro uma flecha no seu coração!
Abaddon
hesita e Yulia diz:
—
Não tenha medo, essa flecha nem tocará seu corpo.
Abaddon
segue caminhando e Jennifer atira uma flecha. Mas antes dela tocar o corpo do
anjo destruidor, se destroça, virando pó. Jennifer recua com o que vê, e
Abaddon sorri e sai correndo na direção deles. Quando ele está se aproximando,
um ser alado trajando uma cartola negra, blazer negro, calça de couro de crocodilo
e sapatos do mesmo material, o golpeia, o atirando longe. Abaddon sai rolando
pelo chão e, delicadamente, esse ser alado pousa na frente de Miguel e seu
grupo.
—
Olá irmão. — fala o ser.
—
Lúcifer?! — murmura Surya.
Belial
ao longe, apenas observa, sem nada dizer.
Yulia
mexe nos cabelos e pergunta:
—
Veio nos enfrentar, Rei dos Caídos?
—
Se eu quisesse morrer, eu responderia sim. — a resposta sai de imediato. — Mas
como eu quero viver, vim fazer outra coisa. — e olha para Miguel sorrindo.
Surya
o observa e se movimenta até o lado de Miguel e ali fica.
—
Lúcifer — fala Miguel —, como ainda possui suas asas e toda a sua força?
—
Simples, meu caro irmão, eu não sou mais um ser Celeste. Minha essência não
provém mais de Deus, mas sim do Inferno. Portanto, eu e todos os anjos que me
seguiram ainda continuamos iguais. E caso queira partilhar dessa nossa dádiva,
é só jurar lealdade a mim.
—
Não, obrigado. — e não resiste em perguntar: — Você sabia que Deus morreria?
—
Sim. — responde. — Fiquei sabendo disso através de um Ofanim que me seguiu.
Hoje ele tem seu próprio séquito de anjos caídos e demônios. Você também pode
ter o seu, se assim quiser, é claro.
—
Porque Lúcifer está tentando Miguel desta forma? — pensa Surya. — O que ele trama
através desse sorriso amigável? Se eu ainda pudesse ver suas reais intenções
através de sua aura, mas agora isso é impossível. Terei de esperar para ver se
ele mesmo revela...
Nisso,
a chuva de anjos enfim termina e as nuvens que banhavam a terra de sangue,
cessam.
—
Lúcifer! — chama Belial se aproximando. — O que está tramando? Você não viria
aqui apenas para ajudá-los. Você não é tão prestativo assim.
—
Se você não sabe, Belial, Miguel é meu irmão gêmeo. E eu vim por causa dele. Protegê-lo
é uma das minhas principais funções nesse momento. Afinal, os irmãos servem
para isso, não é verdade? — e olha de canto para Miguel.
—
Não Lúcifer — fala Belial —, você não é tão benevolente assim. Suas atitudes
sempre possuem alguma tramóia por trás. Você não dá ponto sem nó. Eu lhe
conheço muito bem.
—
Não é porque dividimos o Inferno que você pode achar que me conhece. Eu também
possuo um coração, às vezes pode até parecer que não, mas no fundo eu sou um
ser bastante emotivo.
E
então ele estala os dedos e o chão começa a tremer, o som de um exército
marchando ao longe pode ser ouvido. E o vento se torna mais forte e irregular,
como se soprasse de todas as direções.
Belial
inclina levemente a cabeça e constata:
—
Você trouxe o seu exército.
—
O que seria de um homem como eu sem os seus súditos.
Em
segundos, o céu está abarrotado de anjos caídos que mais parece um gigantesco
enxame de abelhas. Suas asas batendo freneticamente geram um som ensurdecedor.
Das ruas, verte demônios humanóides e criaturas com mais de três metros de altura,
todas carregando armas brancas e escudos.
Gabriel
observa as criaturas gigantes e recorda quem são.
—
Os Nephilins. — conclui.
—
Exato. — responde Lúcifer. — Nem todos morreram. Antes de vocês Arcanjos
matarem todos, eu consegui levar uma centena deles para o Inferno. Aqui não
está nem a metade. Eles se proliferam rapidamente. Parecem até vermes.
Belial
olha para os lados e diz:
—
Pretende mandá-los nos enfrentar?
—
Se for preciso, sim. — responde. — E acredite no que digo, centenas deles
possuem uma força quase igual a minha. Então eu acho que você não irá querer
que eu os mande atacar, certo? Você e esse Cavaleiro não resistiriam a um
exército de mais de milhares.
—
Se você tem tanta certeza da sua vitória, porque não faz isso e se livra de
nós? Com isso você acabaria com o Apocalipse.
—
Essa não é minha função. Eu estou aqui apenas para observar. Eu não sou uma
peça nesse tabuleiro.
—
Você é um jogador. — observa Surya.
—
Exato, minha pequena Querubim. E se querem minha ajuda para fugirem daqui, esse
é o momento.
Gabriel
dá as costas a eles e sai caminhando.
—
Eu me nego a receber ajuda sua. O dia que eu me aproximar de você será para
matá-lo e não para pedir ajuda.
Lúcifer
sorri e Miguel diz:
—
Eu aceito. Tire-nos daqui.
—
Alguém sensato. Eu sabia que você era diferente deles.
—
Mas não pense que por isso estarei aceitando o seu convite. Só quero a sua
ajuda para tirar meus amigos daqui.
—
Eu lhe entendo, meu irmão. Mas não esqueça que ficará me devendo um favor. — e
estende a mão para Miguel.
E
nisso, Miguel recorda da conversa que tiveram no topo do prédio. “Quando a hora
chegar você entenderá”.
—
Então essa é à hora que ele me falou daquela vez? — pensa. — Mesmo se for, não
tenho alternativa senão aceitá-la. — e estende a mão para Lúcifer.
Os
irmãos apertam as mãos e o pacto está selado. Lúcifer não informou o que é, mas
vindo do Rei dos Caídos pode ser qualquer coisa. E com um sorriso maléfico,
Lúcifer, Miguel e outros desaparecem diante dos olhos de Belial e Yulia. Os exércitos
de anjos, demônios e Nephilins também desaparecem. Os Arcanjos foram salvos
pelo Senhor do Inferno, algo que provavelmente nem eles mesmo pensaram um dia
que poderia acontecer, mas de fato acabou de acontecer. Para onde eles foram é
mistério, nem mesmo Belial conseguiu sentir a aura de Lúcifer após seu
desaparecimento. Mas isso não o impedirá de revirar o planeta e o Inferno atrás
dos ex-Arcanjos. Pois ele também possui um exército de demônios, e talvez mais
poderosos que os de Lúcifer. Mas o Rei dos Caídos é esperto o suficiente para
saber disso. E onde quer que esteja, está com certeza tramando uma saída para
isso.
FIM DA PRIMEIRA PARTE...