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terça-feira, 10 de julho de 2012

Um Mundo Em Caos - Capítulo 28

Naquela mesma tarde, Miguel está sentado em frente a janela do seu quarto — que dá vista para um jardim na parte de trás do pátio — olhando a chuva que cai do lado de fora.
— Desde que tudo voltou ao normal, ainda não consegui parar para tentar descobrir quem fez isso. Ou qual evento ocasionou isso. Poderes superiores com certeza. Mas será que foi realmente Deus quem fez isso? —indaga para si mesmo. — Que pergunta idiota a minha, claro que sim. Na Bíblia diz que ele ama a todos então é possível. Mas e no caso de não ter sido? Essa é a dúvida que me mata. Preciso ir atrás disso. Mas nem sei por onde começar! E ainda tem aquele homem de mais cedo, quem era e porque estava me olhando? E porque só eu vi? Dúvidas e mais dúvidas, é só o que tenho. Droga! — exclama em voz alta.
— Achei que estava dormindo devido ao silêncio e também por não se mexer. — comenta Gabriel parado na porta do quarto.
Miguel se vira e responde:
— Dormindo nada. Está há muito tempo aí?
— Alguns poucos minutos.
— Então entra aí e pega uma cadeira. — fala apontando em direção a mesa do computador.
Gabriel senta-se ao lado dele e pergunta:
— Estava pensando em quê para estar tão concentrado?
— Em tudo que está acontecendo. — e faz uma pausa. — Estou cheio de dúvidas e nem tenho para quem perguntar.
— Sei como é. Também estou assim, por isso vim conversar com você. Pensei que pudesse solucionar alguns dos meus.
— Ah, senão tiver nada a ver com tudo isso eu posso tentar. — sorri.
— Tem tudo a ver.
— Então estamos num beco sem saída. — e dá um leve tapa no ombro do amigo.
— Cara, ontem aconteceu uma coisa muito estranha quando eu e o Rafael estávamos saindo do colégio. — Miguel apenas acena com a cabeça para que ele continue. — Um trovão bastante forte iluminou toda a rua e quando voltamos a enxergar normalmente um homem estava parado naquela rua em frente ao colégio nos olhando. Era meio barbudo. Mas quando olhamos para o lado, ele desapareceu. Coisa de segundos!
— Que roupa ele usava? — pergunta Miguel curioso.
— Um sobretudo escuro e se apoiava numa bengala. Por quê?
— Eu vi esse homem também — fala sem conter a alegria por não ter sido o único a vê-lo. —, da mesma forma que você falou. Foi logo após um trovão. Só que teve um detalhe estranho.
— O que?
— A Jenny não o viu. Apenas eu. E eu estou até agora tentando entender isso.
—Bom, pelo menos o Rafael e eu vimos.
— Porque só nós três até agora? — pergunta pensativo.
— Não sei. — responde olhando para a janela. —Mas lembre-se que ainda não encontramos a Raguel. Ela pode ter visto também. É apenas uma suposição minha. — e volta-se para Miguel. — E você sabe se aquela sua amiga do outro dia viu também?
— Nada. — responde com um tom frustrante. — Fiz umas perguntas meio idiotas, mas ela não viu nada.
— Só nós três por enquanto. — fica um pouco pensativo e diz: — Miguel, quer ir num lugar comigo?
— Onde?
— Naquela igreja em Porto Alegre. — responde Gabriel. — Foi lá que o primeiro anjo caído apareceu. Que tal irmos dar uma olhada?
— Melhor do que ficarmos parados aqui. — e levanta-se. — Vou pegar a chave do carro.
Os dois entram no carro e rumam a Porto Alegre. Após alguns minutos na estrada vêem placas que até então eram desconhecidas para eles. Placas que informam a distância para chegar à Usina Nuclear de Guaíba. Usina que até então nunca existira.
— Desde quando existe usina nuclear aqui? — pergunta Miguel espantado.
— Estou tão boquiaberto quanto você. — responde. — Porque isso não faz nenhum sentido para mim.
— Claro que não faz! — exclama preocupado. — Nunca existiu isso por aqui! E porque agora existe?! Afinal de contas, o que está acontecendo? — se pergunta.
Até então, nenhum dos dois tinha ido a Porto Alegre ainda. No máximo tinham andando por suas cidades, Esteio e Canoas, mas mais longe ainda não tinham ido. E conforme avançam, mais diferenças começam a notar. E as mais gritantes são as disposições de alguns prédios e a existência de outros onde antes havia parques e praças. Gigantescos prédios envidraçados rasgam os céus, Igrejas com arquitetura gótica e gárgulas em suas entradas parecem substituir as antigas arquiteturas predominantes. Por cada local que passam se sentem como se estivessem chegando à outra cidade. O cartão postal do Rio Grande Sul parece ter mudado seu desenho de forma macabra. Mas pelo menos a disposição das ruas continua a mesma, o que não interfere na chegada deles a Igreja que era o destino principal dessa pequena viagem.
A chuva diminui se tornando uma leve garoa.
— Então chegamos. — comenta Miguel parando o carro em frente a Igreja. — Pelo menos ela continua aqui. E da mesma forma que era ao contrário das outras Igrejas que parecem rabiscos do inferno. — fala se referindo as fachadas macabras das outras Igrejas.
— Será que algo diferente nos espera aí dentro? — pergunta Gabriel um pouco ansioso pelo que podem encontrar. — Desde que acordei naquela manhã desejo vir aqui, mas até então não havia tido essa oportunidade. E agora eu preciso entrar lá.
 Miguel olha ao redor, observa as altas torres da Igreja, as estátuas dos santos na entrada e diz:
— E porque essa curiosidade toda?
— Não sei. — e olha para a porta da Igreja. — É uma sensação, um aperto no peito toda vez que penso nesse lugar.
— Mas parece abandonada de tão suja e com esse mato alto. — fala Miguel e então analisa: — Mas duvido que se realmente estivesse jogada a própria sorte os moradores de rua já não a teriam transformado em casa. Vamos bater na porta e ver quem nos recepciona.
Miguel caminha até a grande porta dupla de madeira e dá três batidas. Do lado de fora, é possível ouvir o eco das batidas vindo do lado de dentro. Os minutos passam e nada ouvem. Miguel novamente bate na porta, mas desta vez fazendo um pouco mais de barulho. Apenas o eco das batidas é ouvido e depois seguido de um silêncio fúnebre.
— Será que está realmente abandonada? — indaga Gabriel. — Alguém já deveria ter ouvido.
Nisso...
— Não adianta baterem rapazes. — uma voz feminina ecoa as suas costas. — Já fiz isso, mas ninguém me atendeu.
Miguel vira levemente a cabeça para trás e vê Raguel escorada no paralama do carro. Ela está usando um sobretudo de couro bege e com os cabelos levemente caídos sobre o rosto.
— Vejo que vocês estão muito bem. — fala ela.
— Mudou o visual, é? — pergunta Miguel sorrindo.
— Dei uma modernizada. — e caminha em direção a eles. — Já que o mundo resolveu mudar, então eu mudei também.
— E o que você veio fazer aqui? — pergunta Gabriel sem rodeios. — Lembra-se de tudo?
— Sim, lembro de tudo. — responde. — Até de coisas que eu adoraria esquecer. — e passa a mão no pescoço. — Mas enfim, eu vim porque um homem apareceu para mim hoje de manhã e pediu que eu viesse aqui.
— Um homem?! — e olha para Gabriel. — Será o mesmo que apareceu para nós?
— Como ele era? — pergunta Gabriel.
— Alto, meio barbudo, usava um sobretudo, bengala... mais ou menos isso. — responde Raguel descrevendo o homem. — Eu o vi parado na minha frente e quando pisquei ele havia desaparecido. E segundos depois ele sussurrou no meu ouvido o endereço daqui. E desapareceu na multidão.
— Esse mesmo homem apareceu para nós hoje pela manhã, mas não nos disse nada. — fala Gabriel. — Apenas ficou nos olhando de longe e sumiu.
— Bom, vamos arrebentar essa porta e entrar! — exclama Miguel caminhando em direção a porta da Igreja.
Ele pára há alguns metros da porta, flexiona as pernas, impulsiona o corpo para frente e sai correndo em direção a ela e a atinge com seu ombro. Mas é arremessado para trás com o impacto e sai rolando pelo chão até bater em uma pedra.
— Ah... meu ombro. — reclama segurando o ombro direito com a mão esquerda.
Gabriel se aproxima e estende a mão para ele.
— Podia ter pedido minha ajuda. — Miguel segura a mão de Gabriel e este o ergue do chão. — Vamos fazer isso juntos.
Miguel bate as mãos nas roupas para tirar o excesso de sujeira e água e os dois se preparam para golpear a porta. Eles saem correndo e ao golpearem a porta, esta afunda e um estouro de madeira quebrando é ouvido pelo lado de dentro. A porta se abre e os dois caem de bruços dentro da Igreja. Miguel e Gabriel olham o interior do local e expressam em uma pequena frase o que sentem ao vê-lo:
— Meu Deus!
A Igreja é formada por uma primeira nave, com as luzes entrando por oito vitrais — quatro em cada lado — e um mais a frente logo acima de uma imagem de um duende crucificado. As paredes e os oito pilares são revestidos de crânios humanos e animais ligados por um cimento pardo. A abóbada é pintada com motivos alegóricos à morte. No chão, os azulejos de cerâmica ou estão arrancados ou danificados. O mobiliário composto por longos bancos estão em sua maioria podres ou quebrados e o altar se encontra atirado em um canto.
Raguel passa por eles e seus olhos percorrem todo o interior da Igreja. Incrédula com o que ela está vendo, múrmura:
— Que lugar demoníaco! Jamais pensei que um dia entraria em um lugar como este. Isto cheira a morte.
Nisso, Miguel e Gabriel já estão parados ao lado dela.
— Eu diria que esta Igreja é bastante macabra. — comenta Miguel movimentando seus dedos nervosamente. — E sinceramente, isso é mais assustador que aqueles zumbis.
— Pode até ser. Mas agora que estamos aqui — Gabriel dá um passo à frente —, vamos ver o que encontramos.
Gabriel segue caminhando logo a frente e Miguel e Raguel seguem logo atrás, olhando para os lados e para os vitrais — extremamente atentos a qualquer movimento estranho. — Miguel sente seu corpo tremer involuntariamente, no seu interior ele não gostaria de estar ali. Mas sim deitado em sua cama.
— Está tudo bem Miguel? — pergunta Raguel.
— Sim. — responde ele, colocando as mãos nos bolsos da calça.
Eles chegam ao fim da nave e vêem um estreito corredor a direita. Ao seguirem em direção ao corredor, em uma das paredes há uma pequena entrada em arco lacrada com cimento.
— Que curioso. — comenta Raguel. — Porque lacrariam uma porta? — indaga. — Será que queriam esconder alguma coisa? — e olha para Miguel.
— Eu nunca cheguei a entrar nessa Igreja. A única pessoa que vinha aqui era a Jenny. Então não conheço nada aqui dentro. Tudo para mim está sendo uma novidade macabra.
— Bom, vamos continuar. — fala Gabriel tomando as rédeas do comando.
Ao adentrarem o corredor, suas paredes são ornamentadas com crânios, tíbias, vértebras e fêmures que formam vários desenhos. Desde efeitos florais utilizando vértebras e clavículas que ajudam a compor a foice, instrumento da morte personificada em um esqueleto.
Conforme avançam, Miguel sente seu nervosismo aumentar. Ele está suando frio e suas mãos não param de tremer dentro dos bolsos de sua calça. Cada vez que olha para as paredes, é como se estivesse vendo a morte na sua frente, ou então em meio a centenas de mortos-vivos sem poder se defender. E isso o assusta bastante. Em contrapartida, seus amigos parecem mais curiosos do que preocupados ou temerários há alguma coisa.
Nisso, Gabriel pára e aponta para o chão do corredor que vira a direita logo a frente deles.
— Tinta?! — indaga Raguel.
Gabriel passa o dedo e constata ser outra coisa. Uma pequena poça de sangue está formada no chão e há frente, um longo rastro de sangue segue pelo corredor. Como se algo ou alguém tivesse sido arrastado por ali. Raguel dá uma breve olhada nas paredes e vê sangue espirrado nelas.
— Vamos embora. — Miguel opina achando ser o melhor a fazer. — Isso aqui já está ficando tenebroso demais. Não sabemos o que vamos encontrar mais a frente e não trouxemos nada para nos defendermos ou lutarmos. Seja lá o que for não estamos preparados. — fala hesitante.
— Você está com medo? — pergunta Gabriel.
— Não é medo. — responde Miguel. — É outra coisa, sei lá. Mas eu não estou me sentindo bem aqui. Estou com um mau pressentimento quanto a isto.
— Eu não vim até aqui para ir embora. — exclama Gabriel. — Eu vou até o fim agora. Se você quiser ir embora pode ir. Digo o mesmo para você, Raguel, se quiser ir também não tem problema.
— Eu ir embora? — ironiza. — Sem chances!
— Eu não vou deixá-los sozinhos. — fala Miguel. — Seja o que Deus quiser. Vamos em frente.
Eles seguem o corredor e após alguns metros vêem uma porta onde o rastro de sangue termina.
— Deve ser ali. — fala Raguel. — Estão prontos?
Gabriel e Miguel meneiam a cabeça fazendo sinal de positivo. Eles seguem pé por pé e ao chegarem à porta, se deparam com um salão oval todo ornamentado em ossos com um grande lustre formado por restos humanos que domina o espaço central do teto. É um lustre formado por fêmures, escápulas, vértebras, que foram complexamente elaboradas em uma terrível peça central. No centro desse salão, há uma mesa de madeira onde uma mulher loira jaz deitada com seus braços esticados para fora da mesa e sangue ainda escorrendo pelo pescoço. E próximo da mesa, um homem alto usando uma túnica preta, capuz — que esconde seu rosto — e uma estola vermelha sobre os ombros, caminha segurando em uma das mãos — pálidas por sinal — uma pequena cumbuca e na outra um livro velho de capa de couro.
Para perfume misturai farinha & mel & grossa borra de vinho tinto: então óleo de Abramelin e óleo de oliva, e depois amolecei & amaciai com rico sangue fresco. — fala o homem em voz alta lendo o livro.
Ele caminha até onde o sangue escorre e segura a pequena cumbuca de forma que o sangue escorra dentro dela. Após encher com uma boa quantidade de sangue, continua a ler o livro:
O melhor sangue é da lua, mensal: então o sangue fresco de uma criança, ou pingando da hóstia do céu: então de inimigos: então do sacerdote ou dos adoradores: por último de alguma besta, não importa qual.
Ele deposita a pequena cumbuca sobre a mesa e pega uma colher de pau e começa a misturar o que quer que tenha ali dentro.
Isto queimai: disto fazei bolos & comei para me. Isto tem também um outro uso; seja depositado diante de me, e conservado impregnado com perfumes de vossa prece: encher-se-á de escaravelhos como se fosse e coisas rastejantes sagradas a me. Estes matai, nomeando vossos inimigos; & eles cairão diante de vós. Também estes engendrarão ardor & poder de ardor em vós ao serem comidos.
O homem eleva a cumbuca até a boca e toma o líquido alaranjado e grosso que escorre dela.
Raguel olha para Gabriel e sussurra:
— O que fazemos agora?
— Nada. — responde. — Vamos apenas observar esse ritual dele.
Nisso, o homem termina de tomar o líquido da cumbuca e a joga no chão. E então vai mexer no corpo da mulher que está deitada sobre a mesa.
Eu sinceramente na faço a menor idéia do porque você veio até aqui. Mas me poupou o trabalho de procurar uma garota virgem. — e vira o rosto dela de forma que Miguel e os outros conseguem ver o rosto da garota. — Agora é só jogar você por aí e será apenas mais um caso de assassinato.
De imediato, Miguel reconhece a garota.
— Anane. — sussurra. — Não...
— A menina que se sacrificou por nós no Shopping? — pergunta Raguel incrédula.
Miguel nada responde. Apenas sente seu corpo arder em fogo e todo aquele nervosismo se transformar em pura raiva. Seus olhos castanhos adquirem um brilho diferente e então de imediato se posta em frente a porta e esbraveja:
— Você não vai jogá-la por aí! Eu não vou deixar!
O homem vira-se para ele e de dentro da escuridão do capuz, os olhos brilham em tom vermelho sangue.

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