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sexta-feira, 11 de março de 2011

Um Mundo em Caos - 23

Alguns dias depois...
— Oi. — cumprimenta Miguel entrando no quarto que está com a porta aberta.
— Oi. — retribui Jennifer. Ela está deitada na cama com o braço direito enfaixado e com alguns curativos em seus ferimentos.
— Tenho notado você muito pensativa esses dias. — comenta Miguel sentando na cama. — Desde que saímos daquele território que você anda muito estranha.
— Não é nada. São os remédios que eu tomo que me deixam assim.
— Podemos ter passado alguns meses longe, mas lhe conheço a muitos anos e sei quando algo a está perturbando.
Jennifer segura a mão de Miguel e um pouco confusa olha nos olhos dele e se questiona:
— E se cometemos um erro?
— A vida é feita de erros e fracassos. Mas se está falando do que fizemos lá, eu infelizmente não tenho essa resposta para lhe dar. Conversamos a respeito e o que você me contou que aquele homem lhe disse pode muito bem ser mentira. Ele poderia estar querendo lhe confundir
— Mas a forma como ele falou, ele realmente acreditava em cada palavra que dizia. E eu não sei o que fazer? Estou muito confusa.
Miguel a abraça, a confortando e diz:
— Eu gostaria de ter todas as respostas para as dúvidas que você tem no momento, mas infelizmente dessa vez eu não posso lhe ajudar. A única pessoa que pode fazer isso é o padre que lhe deu as ordens. E conversando com ele tenho certeza que você irá perceber se ele fala a verdade ou não. Você sempre foi boa nisso, não deixe a gratidão nublar os seus sentidos.
E nisso Raguel entra no quarto e expõe sua opinião:
— Eu ouvi o que vocês estavam conversando. Não foi por querer, eu estava passando e não pude deixar de ouvir. E eu só queria dizer uma coisa. Vá atrás da verdade. E como Miguel falou, não se deixe cegar por sentimentos.
— Você... — sussurra Jennifer. — Tenho explicações para lhe dar, não é?
— Não necessariamente. — sorri Raguel. — Mas gosto da sua atitude de contar as coisas. Você é uma pessoa honesta e não quero lhe ver sendo enganada. Não conheço você tanto quanto o Miguel conhece, mas gosto muito de você.
— Obrigada. — agradece Jennifer. — Você também é muito especial. Lhe admiro bastante e gosto muito de você. O seu olhar tem algo que eu tinha antes disso tudo começar, inocência, e isso eu acho que talvez nunca mais poderei ter. E isso me entristece tanto.
— Não pense assim. Você é forte e superou tantas coisas que não será qualquer tempestade que tirará você do seu destino.
— Você é um amor, Raguel, queria ter lhe conhecido antes disso começar. Ter sido sua amiga naquela época. Você é uma pessoa maravilhosa. Obrigada mesmo.
Raguel fica encabulada com os elogios tecidos a sua pessoa e então Gabriel e Rafael se aproximam da porta e Rafael com tom de brincadeira na voz pergunta:
— Reunião secreta?
— Deixa de ser bobo. — responde Miguel sorrindo. — Se aproximem.
Jennifer senta na cama com as costas apoiadas na cabeceira e convida a todos para sentarem na cama junto com ela e Miguel. Eles sentam e então ela diz:
— Eu devo algumas explicações para vocês, então vou começar bem do principio. O Miguel já ouviu, mas acredito que ele não irá se importar em ouvir de novo.
— Nem um pouco. — comenta.
Jennifer explica toda a sua trajetória desde que saiu de casa até o atual momento. E comenta também sobre a dúvida que sente desde que saíram do território dos africanos. Ela diz que as palavras que saíram da boca daquele homem não pareciam ser mentira, pois possuíam uma verdade incrustada nelas. E que durante toda a conversa que tiveram em nenhum momento ele titubeou ou deixou de falar olhando diretamente nos olhos dela.
— Tudo isso que você nos contou é tão, uau, incrível. — fala Raguel. — No seu lugar talvez eu fizesse a mesma coisa. Se bem que eu fiz, — conclui, — segui o Miguel até aqui. Confesso que lhe acho incrível, só que em certos momentos até duvidei das suas reais intenções. Mas me colocando no seu lugar percebo o quanto somos parecidas. Eu teria feito a mesma coisa sim.
— Eu já havia percebido a semelhança que há entre nós. — comenta Jennifer. — Mas até então não havia comentado com ninguém.
Gabriel então resolve mudar um pouco o rumo da conversa:
— E essa dúvida que você está sentindo é em relação aos atos que você cometeu sob as ordens do padre, né?
— Sim. — responde com uma leve tristeza na voz. — Estou um pouco confusa. O que eu ouvi mexeu bastante com a minha fé nas coisas que fiz. Tudo até então foi feito com uma fé cega no que ele me dizia, mas agora, essa fé está me abandonando aos poucos.
— Mas isso não quer dizer que aquele homem não pudesse estar mentindo. — fala Rafael. — Muitos sabem mentir tão bem que nem desconfiamos. E você também estava atordoada de tanto apanhar dele.
— Eu sei, mas é que, sei lá, preciso tirar essa história a limpo. Nem dormir direito estou conseguindo.
— Isso é verdade. — confirma Miguel pegando na mão dela. — Muitas vezes acordo a noite e ela está sentada na beira da cama ou olhando pela janela do quarto. Mas como eu a conheço, sei que ela quer ficar sozinha com seus pensamentos.
— Obrigada por me respeitar assim. — agradece Jennifer.
Ele apenas sorri.
— E o que você pretende fazer daqui pra frente? — pergunta Gabriel.
— Ir atrás da verdade sem importar quais serão as conseqüências que terei de enfrentar. Só voltarei a ter paz depois que tudo for resolvido. Eu sou assim, vocês me conhecem.
— É assim que se fala. — diz Raguel.
Jennifer sorri para ela e continua:
— Amanhã pela manhã irei conversar com o padre Antonini ou Graffiacane, seja lá qual for o nome dele.
— Graffiacane, você disse?! — pergunta Rafael.
— Sim. — responde Jennifer. — Por quê?
— Eu já ouvi esse nome em algum lugar. Graffiacane, Graffiacane... — repete várias vezes até que: — Na verdade eu não ouvi, mas sim que li a tradução dele. Só não lembro aonde.
— Uma hora você lembra.
— Tem uma biblioteca bem vasta aqui, né? — pergunta.
— Sim, tem vários livros que foram resgatados. Inclusive em outras línguas.
— Ótimo. Amanhã vou dar uma pesquisada.
— Fique a vontade... Ai. — Jennifer solta um leve gemido de dor. — Parece que minha cabeça tá sendo atravessada por facas. Ai. Que dor!
Miguel levanta-se rapidamente e é seguido pelos outros. Jennifer se ajeita na cama e ele trás um remédio e um copo de água. Ela toma o remédio e com um pouco de dificuldade diz:
— M-Me desculpem por isso. Acho que ainda não estou cem por cento.
— Nem se preocupe. — fala Gabriel. — Apenas descanse e se recupere. Depois alguém de nós vem aqui ver como você está. Cuida bem dela, Miguel.
— Pode deixar, irmão.
Eles se retiram e Gabriel fecha a porta ficando apenas Jennifer e Miguel no quarto.
Miguel fica por um tempo sentando a beira da cama e quando Jennifer adormece, ele resolve dar uma caminhada pelo território em que se encontram. Miguel se afasta da área dos prédios e desce em direção ao rio Guaíba. Pelo caminho ele encontra homens e mulheres carregando peixes, capivaras e pombas, — animais mortos, diga-se de passagem. — que são utilizados para alimentar as pessoas que residem nos arredores do território. E um som vindo de longe chama a sua atenção, é um som produzido por uma gaita. Que reproduz o ritmo de uma música muito conhecida no Rio Grande do Sul.
— Fazia tempo que eu não ouvia o som de uma música. — pensa. — E Querência Amada não poderia ser melhor.
Uma moça loira, muito bonita e usando roupas simples se aproxima dele e pergunta:
 — Está perdido? Procurando alguém?
— Não, apenas apreciando a música. — responde.
— Por que não se aproxima? O Neto está fazendo um churrasco à beira do rio junto com uns amigos.
— Mas eu nem conheço ele, ou eles
— Isso não é problema. Eles são pessoas bem simples e acolhedoras. Você vai gostar.
— Vou ir lá, então. Obrigado.
— Não por isso. Tchau. — e segue em direção aos prédios.
Conforme ele vai se aproximando, já consegue ouvir algumas vozes que entoam a música:

...Meu coração é pequeno
Porque Deus me fez assim
O rio grande é bem maior
Mas cabe dentro de mim

Sou da geração mais nova
Poeta bem macho e guapo
Nas minhas veias escorre
O sangue herói de farrapo...

— Incrível. — é a única coisa que ele consegue pensar no momento.
— Se aprochega aí. — fala um dos homens que está em volta da fogueira onde assam o quadril de uma capivara.
Miguel caminha até eles e todos o cumprimentam.
— Estás perdido por aí? — pergunta o homem. Um sujeito alto, de bigode, cabelos loiros e usando bermuda e camiseta.
— Não, apenas caminhando para esticar as pernas. Uma garota falou que eu poderia me juntar a vocês.
— Uma loira?
— Isto.
— É a Taís, minha irmã. E já aproveito para me apresentar. Eu sou o Neto.
— Miguel. Prazer.
Os outros homens que estão ao redor também se apresentam e Neto continua:
— Quer um pedaço de carne?
— Aceito.
Neto corta uma lasca de carne e a perfura com um pequeno espeto de madeira e entrega para Miguel.
— Está bom?
— Ótimo!
— Senta aí e vamos trovar um pouco. De onde você é?
Eles ficam por horas conversando e comendo até que o sol começa a se pôr e Miguel já preocupado em voltar para ver como Jennifer está, diz:
— Preciso ir. Tenho algumas coisas para resolver antes de anoitecer por completo.
— A pressa é sua. Nós vamos entrar noite adentro. É a melhor hora para pescar. Amanhã iremos fazer um grande almoço. Caso queira participar da pescaria, é só aparecer mais tarde.
— Se der eu apareço mesmo. Tchau. — se despede Miguel.
Caminhando de volta para o prédio ele encontra Raguel no caminho.
— Perdido?
— Você é a terceira pessoa que me pergunta isso hoje. E eu respondo: — ironicamente é claro. — Não, não estou perdido. Estou apenas caminhando. Esticando os ossinhos pra falar a verdade.
— Ah bom, mas é que você tá com uma cara de perdido.
—Ótimo! Valeu mesmo.
— Mas mudando de assunto, como está a Jenny.
 — Pra falar a verdade, ela tomou o remédio e um tempo depois adormeceu. Daí aproveitei pra dar umas voltas e fiquei um tempo lá na beira do Guaíba curtindo umas músicas e comendo uma carne assada no espeto.
— Então você conheceu o Neto. Gente fina ele.
— Você conhece?
— Claro, todo mundo aqui conhece ele. Já passamos horas conversando. Ele, o Gabriel, o Rafael e eu.
— Legal. E ninguém me convida. Devo ser um chato mesmo. — fazendo cara de triste.
— Óh, tadinho dele. — fala Raguel o agarrando pela cintura. — Você é o meu chato preferido. — e o beija no rosto. — Mas é que você está sempre envolvido com a Jennifer que nem temos quase tempo para conversar. Então saio a caminhar por aí e conheço muitas pessoas. Normalmente o Gabriel caminha comigo. O Rafael é meio raro de se ver caminhando por aí, mas nos acompanha de vez em quando.

— E onde eles estão?
— Nem sei, saíram antes de mim. Disseram que iam vasculhar as redondezas.
— Não se perdendo por aí, tá bom.
— Acho que não. — e sorri. — O único perdido aqui é você.
— Começou!
— Ah, seu chato! — e se abraça nele.

Assim eles seguem até o prédio aonde o filhote vem correndo os receber.
— Hachi! — exclama Miguel. — Faz tempo que não te vejo, rapaz.
— Não o deixo sair muito. — fala pegando o filhote no colo. — Tenho medo que aconteça alguma coisa com ele.
— Mas daqui a pouco ele vai crescer e vai querer correr por aí e você não vai poder ficar prendendo ele. Tem que deixá-lo crescer livre.
— Eu sei. Mas penso nisso mais tarde. Outro dia, melhor dizendo.
— Só você mesmo. — Se diverte Miguel com que Raguel disse. — Mas vou para os meus aposentos reais. To um pouco cansado. Sem falar que comi demais.
— Comilão. Cuide bem de vossa rainha, alteza. — brinca. — Nos falamos amanhã.
— Tá bom. Boa noite. — se despede Miguel.
— Boa noite. — e sai caminhando até que se vira para trás e chama por Miguel. — Mi.
— Sim? — fala abrindo a porta do quarto.
— Seu chato! — E entra no quarto dela.
Miguel sorri e fecha a porta do quarto. Ele caminha lentamente até a cama e fica olhando para Jennifer dormir.
— Parece uma anjinha dormindo. Tão serena...

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