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Armagedon - Um Mundo em Caos / Final Odyssey de Fernando Athayde dos Santos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Um Mundo em Caos - 02

O dia começou com um calor escaldante, mas agora as nuvens começam a tomar conta do céu e o azul que antes o pintava, agora se torna aos poucos cinza escuro. Aquela sensação de abafado começa a se dissipar e uma brisa gelada passa a soprar.
— O tempo está mudando. — fala Miguel olhando para o céu. — Em breve vai chover forte.
— Então antes que escureça ainda mais precisamos pegar o que viemos buscar e sair o mais rápido possível das ruas.
— Concordo, vamos entrar então. ­— fala Miguel enquanto desembainha sua espada. — Está pronta?
— Sim. — responde Raguel empunhando o bastão.
Os dois atravessam a rua e entram no hipermercado pelo estacionamento que fica no subsolo. O cheiro de podridão parece tomar conta do ar e os dois levantam a gola de suas camisas tapando o nariz e a boca. Há vários carros estacionados e alguns batidos de forma que é possível perceber que o acidente ocorreu quando tentavam sair do local. Olhando mais a frente é possível ver alguns restos de corpos destroçados já em decomposição.
— Que nojo! — fala Raguel passando ao lado de um corpo com a cabeça destroçada e parte do cérebro espirrado no chão cheio de vermes.
— Tente não ficar olhando que é pior.
­— Claro, vou ignorar o que está a minha volta em tudo quanto é lugar. O problema é que até agora eu evitei chegar muito perto de um cadáver.
— Vamos continuar. — sussurra Miguel entrando por uma porta de vidro que dá acesso as escadas rolantes que levam a parte superior onde fica o hipermercado.
Eles passam em frente a uma loja de roupas, as famosas surf shops, e Raguel comenta:
­— Seria uma boa idéia pegarmos algumas roupas depois.
— Pensamos nisso mais tarde. Nosso foco principal é outro.
Eles param em frente às escadas rolantes e avistam corpos caídos sobre elas, alguns ainda com carne e outros já completamente sem, apenas uns amontoados de ossos. Então eles sobem as escadas abaixados e quando chegam lá em cima podem ver a praça de alimentação logo à frente e a direita as caixas do hipermercado ainda com mercadorias em cima e claro, mais corpos espalhados pelo chão.
— Precisamos pegar um carrinho. — fala Raguel olhando para os lados.
Miguel se vira para a esquerda e diz:
— Esse aqui vai servir, pegamos outro mais a frente.
Ele sai empurrando o carrinho e Raguel avista outro vazio e o pega. O hipermercado é cheio de corredores divididos por seções, cada uma correspondendo a um tipo de alimento, outro a bebidas, eletroeletrônicos e utensílios em geral. Miguel pára e fica olhando em direção aos corredores e pergunta para Raguel em qual corredor iriam primeiro, ela olha para ele e responde: — Vamos seguindo a ordem e depois voltamos. ­— Então eles começam a seguir em frente bem devagar, seguindo passo a passo como se fossem encontrar um morto-vivo à frente. O primeiro corredor a entrarem é o de limpeza, Raguel pega alguns produtos de limpeza e panos. E eles seguem em frente entrando no próximo corredor que é o de higiene pessoal. Miguel sai catando várias coisas e coloca no carrinho dela.
— Porque está colocando no meu? — pergunta ela.
— Acho melhor assim. Não misturamos com alimento.
Eles passam por alguns corredores que julgam não ter nada que possam precisar e chegam à parte de enlatados. Miguel larga o carrinho e diz:
­— Pegue tudo que você achar necessário. Você fica desse lado do corredor e eu do outro. Largue tudo no meu carrinho.
— Tá bom.
Eles juntam tudo que julgam necessários e colocam no carrinho, fazem isso várias vezes. Então partem para o próximo corredor onde pegam bastante biscoitos, salgadinhos e chocolates. O carrinho de Miguel já está quase cheio. Então Raguel diz:
— Não temos alternativa. Vamos largar no meu também. Dane-se ficar tudo junto. Na atual condição que estamos não podemos ficar escolhendo como vamos fazer as coisas, se fosse em outra época seria cabível, hoje não é mais.
Miguel concorda e então eles continuam pegando mais coisas nos próximos corredores, pegam leite de caixinha, refrigerantes, ração para o filhote, açúcar, sal e muitas outras coisas. Enchem os dois carrinhos e então Miguel olhando para as janelas diz:
— Já está chovendo.
— Estávamos tão entretidos em busca dessas coisas que nem nos demos conta. — sorri Raguel.
— Que sorriso bonito. — elogia Miguel. — É bom ver que ainda a lugar para um belo sorriso nesse mundo. — Raguel agradece e ele continua, — Pensei que nunca mais veria um novamente.
— Pois viu. — fala ela passando a mão nos cabelos. — Mas agora precisamos sair daqui. Não confio nesse lugar.
— Estava pensando exatamente nisso. Para onde vamos? — indaga ele.
— Para onde você estava indo quando o encontrei? — pergunta ela.
— A procura dos meus amigos em Canoas. — responde. — Ia seguir até a linha de trem e depois rumar para lá.
— Certo. Acho que podemos fazer isso amanhã. Já está escuro demais para pegarmos a estrada. ­— diz apontando para a janela. — E a chuva não ajuda em nada, só ajuda a piorar. Estava pensando, que tal irmos para a minha casa e passarmos a noite lá? Amanhã rumamos para Canoas e com o dia claro será mais fácil de enxergar o que nos espera a cada rua.
— Você tem razão. Vamos para a sua casa e amanhã seguimos em frente.
Nisso o filhote começa a latir e eles ouvem barulhos vindo de dois corredores atrás. Miguel pega a espada que estava em cima do carrinho e diz:
— Faz o filhote parar de latir que eu vou ver o que é. Não sai daqui.
— Tá bom. — responde ela pegando o filhote na mochila.
Miguel sai caminhando bem devagar com a espada em punhos e pára quando chega ao fim do corredor e espia para ver se enxerga alguma coisa, mas não vê nada. Então ele vira-se para trás e faz sinal para Raguel que vai seguir em frente. Ela apenas faz sinal com a cabeça que sim. Miguel passa pelo próximo corredor e quando encosta-se nas prateleiras para espiar ouve um grunhido bem próximo de onde ele está e de repente ao seu lado surge uma cabeça putrefata com nacos de carne cheias de vermes e partes do crânio amostra. O zumbi cambaleante vira-se para Miguel e seus olhos sem expressão, frios como a morte o fitam de forma ameaçadora. Então instintivamente ele crava a espada pelo glóbulo ocular do zumbi fazendo-a atravessar o cérebro da criatura e este cair com seu corpo apodrecido ao chão. Ele retira a espada do crânio da criatura e ao olhar para frente pode ver vários zumbis se dirigindo em sua direção.
— Merda! — pensa ele voltando correndo.
Raguel vê ele voltar correndo e com a espada suja e pergunta:
­— O que houve?
— Zumbis! — responde. — Vários deles, muitos, uma dezena! Não sei de onde saíram. Vamos sair logo daqui.
Raguel coloca o filhote novamente na mochila e segura o carrinho e os dois saem correndo pelos corredores do hipermercado cada um com seu carrinho lotado de coisas. E mais a frente avistam mais zumbis e então vêem de onde eles estão vindo, da rua, por outra entrada. Eles desviam do caminho por onde estão vindo os zumbis e passam por entre os caixas do hipermercado e seguem rumo as escadas rolantes. Eles as descem rapidamente e chegam ao subsolo. Miguel olha para todos os lados e não avista nenhum zumbi. Então eles correm em direção à saída e na rua avistam mais zumbis.
— Eles estão vindo de todos os lados! — fala Raguel apavorada.
— Esquece eles! Precisamos ser rápidos e guardar tudo o que pegamos.
Eles chegam até o carro e Miguel abre a porta e procura pela alavanca que abre o porta-malas que fica ao lado do banco na parte de baixo. Ele a acha, puxa a alavanca e abre o porta-malas. Volta correndo para trás do carro e os dois começam a jogar tudo lá dentro. E cada segundo que passa os zumbis se aproximam mais dos dois. Raguel vê que eles estão perto demais e diz:
— Termina de carregar o carro que eu vou me livrar deles!
— Não, fica aqui!
— Faz o que eu estou dizendo! — fala ela com voz firme. ­— Eu sei me virar. — e sorri para ele.
Até então Raguel nunca havia entrado em confronto com um zumbi, pelo seu corpo passava uma sensação de ansiedade e medo. Mas eram sensações que ela não deixava aflorarem. Então ela corre em direção a um dos zumbis e ergue seu bastão e ao girá-lo no ar acerta em cheio a cabeça do zumbi fazendo este cair violentamente no chão com seu crânio afundado. Então ela sorri ao se ver sair triunfante de seu primeiro combate e se enche de coragem para ir para cima dos outros. Miguel olha para ela e só pensa em terminar de carregar o carro e correr para ajudá-la. Raguel derruba mais três zumbis e em questão de segundos se vê cercada por eles de uma maneira que não consegue mais ver seu parceiro de aventura. Ela ergue o bastão e pensa: — Se vou morrer, não vou dar o gostinho do medo para eles. ­— E nisso vê dois zumbis caírem no chão e Miguel aparecer em sua frente.
— Vamos! — fala ele estendendo a mão para ela.
Ela segura a mão dele e os dois saem correndo em direção ao carro. No caminho Miguel derruba um zumbi com uma espada na têmpora o fazendo voar ao chão. Eles chegam ao carro e ela entra e fecha a porta. Então ele dá a volta, entra e gira a chave. O motor ronca, e então ele engata a primeira marcha e pisa fundo no acelerador e os dois saem dali o mais rápido que podem. Raguel respira fundo e então olha para Miguel e com um sorriso no rosto diz:
— Obrigada por salvar minha vida. Te devo uma.
— Não me deve nada. — fala Miguel encostando a mão na dela. — Seu sorriso já pagou qualquer divida que você poderia ter comigo por mais de uma vida.
— Não seja bobo. — fala ela virando o rosto em direção a janela e sorrindo.
­— Sério. — diz ele vendo o rosto dela pelo reflexo da janela. — Você me mostrou algo além de uma boca querendo me devorar. Mas um sorriso. Faz meses que eu não sei o que é isto realmente. Apenas imaginava para não ficar louco e ter algo para me fazer lembrar como era as coisas antes do mundo virar de cabeça para baixo. Se alguém deve alguma coisa aqui, esse alguém sou eu.
— O seu jeito de falar é diferente de todas as pessoas que conheci, eu sinto sinceridade na sua voz. É como se nos conhecêssemos há milênios. Antes mesmo da aurora dos tempos.
Miguel sorri e com um tom de voz suave diz:
— Obrigado. Depois de tanto tempo estou me sentindo vivo novamente.
— E para se sentir mais vivo ainda pegue a próxima rua a esquerda que eu vou lhe mostrar o caminho da minha casa. Quando chegarmos lá vou fazer algo para comermos. Peguei macarrão, carne enlatada e molho. Vou fazer uma janta bem gostosa e vamos encher a barriga até não agüentarmos mais.
Ela segue mostrando o caminho para ele e os dois chegam alguns minutos depois a casa dela. Uma grande casa de alvenaria com janelas verdes que fica protegida por um muro feito de grades grossas e altas. Eles colocam o carro na garagem e se ajeitam na casa. E antes e após o jantar eles conversam, brincam e dão muitas risadas, é como se já se conhecessem há tempos, talvez houvesse um pouco de verdade naquelas palavras que ela disse e que fizeram Miguel tão feliz. Ou talvez então não houvesse nada de especial, apenas palavras ditas num momento de agradecimento. Mas o certo é que fizeram um bem muito grande para os dois. Depois de meses sozinhos, essa será uma noite de sono em que ambos dormirão o sono dos justos. Terão de companhia a alegria que um trouxe para o outro e a certeza de que não estarão mais sozinhos enquanto um proteger o outro. Pois foi isso que fizeram hoje e que tornou essa ligação tão profunda entre eles possível.
O mundo pode estar em pedaços, mas enquanto houver ainda um pingo de vida na terra, milagres acontecerão.

2 comentários:

  1. essa poesia final foi tão boa que faria até Chuck Norris derramar uma lágrima T-T

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  2. E olha que a unica vez que Chuck Norris derramou uma lágrima foi quando choveu 40 dias e houve o dilúvio. Essa semana ainda já vou postar o 4º capítulo, está quase pronto. Num intervalo e outro do trabalho fiquei escrevendo. Então estou arrumando algumas coisas que não ficaram muito interessantes e adicionando alguns diálogos e ações, para dar mais emoção.

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