As horas passam e o fim da tarde se
aproxima. Uma forte chuva começa a cair sobre a região metropolitana de Porto
Alegre, algo normal no mês de julho. E com as nuvens tapando o céu, o dia torna-se
um pouco mais escuro e os carros já trafegam pelas ruas com os faróis ligados. Raguel
caminha apressada por entre as ruas, sem um guarda-chuva, ela usa um jornal
para tentar se proteger. Mas que não está adiantando muito. É visível o quanto
sua roupa está ensopada. Ela dobra uma esquina e passa em frente a uma sorveteria,
até tem vontade de entrar para se proteger um pouco daquela chuva gelada, mas
prefere seguir em frente já que seu destino está perto agora. Ela caminha mais
alguns minutos e chega em frente a uma casa com um belo jardim e uma varanda
onde repousa uma cadeira de descanso. Ela abre o pequeno portão de ferro e
entra. Assim que sobe os degraus que levam a varanda, está em frente a uma
porta de ferro com um grande vidro em seu centro. E então, ela toca a
campainha. Após alguns segundos de espera, uma sorridente senhora abre a porta.
— Sim? Em que posso ajudá-la?
— Hã... Oi, meu nome é Raguel — se
apresenta um pouco envergonhada. — e eu estive aqui junto com o Rafael no dia
que ele trouxe o Miguel.
— Ah sim, agora estou lembrando.
Você o ajudou a levar o Miguel para quarto. — e sorri. — Entre, por favor.
— Com licença. — fala Raguel
entrando.
Raguel entra na casa e já está na
sala. Uma sala ampla, com sofás e poltronas muito bem posicionados, uma mesa no
centro, algumas estantes com livros e garrafas de bebidas, e nas paredes alguns
quadros familiares.
— Você quer esperar aqui ou ir até o
quarto dele? — pergunta a senhora.
— Melhor eu ir até lá, assim evita
que ele fique se esforçando.
— Você lembra onde fica?
— Sim, terceira porta no corredor.
Certo?
— Isso mesmo. Pode ir lá. E eu vou
providenciar uma toalha para você se secar e já levo lá.
— Obrigada. — agradece sorrindo.
Raguel sobe as escadas até o segundo
andar e bate na porta onde é o quarto do Miguel. Após alguns segundos, ele
responde: “Pode entrar”. Ela abre a
porta, e ele está deitado na cama lendo um manga e ouvindo Avantasia num
Mini-System que se encontra ao lado da cama.
— Que mordomia, hein?
— Raguel?! — exclama Miguel,
surpreso. — Achei que depois daquele dia não veria mais você. Já que liguei
diversas vezes e você não me atendeu.
— Eu estava com uns problemas para
resolver, então não estava atendendo ninguém. — mente, ocultado a verdade a
qual havia dito a Rafael mais cedo. — E você, como está se sentindo?
— Estou bem. — e senta na cama. — Apesar
dos machucados e algumas pequenas fraturas. Acho que no máximo em quinze dias
já estarei pronto para outra. — e olha Raguel de cima a baixo. — Nossa! Você
está molhada, hein? Quer umas roupas minhas?
— Obrigada, mas vou esperar sua mãe
trazer a toalha. Daí eu aceito.
— Você quem sabe.
— Então — começa. —, aquele monstro
foi o segundo demônio que vimos e enfrentamos. Contra o primeiro, bom, você
lembra o que aconteceu. Então o fato é que vivemos lado a lado com demônios e
anjos, concorda?
— Calma. — e respira. — É muita
informação de uma vez só. Anjos?! — pergunta um tanto incrédulo. — Foi isso
mesmo que eu ouvi?
— Sim, eu falei claramente, anjos. —
repete um tanto contrariada.
— Já é difícil acreditar que existem
demônios. Agora você me vem com anjos? — a pergunta sai um tanto irônica. — Por
acaso algum apareceu lá?
— Não, nenhum. — responde com o
semblante sério. — Mas é como eu havia dito ao Rafael, se existem demônios,
então obrigatoriamente devem existir anjos. — sua voz sai determinada, pois ela
acredita piamente no que está dizendo.
— Se você acredita, quem sou eu para
dizer o contrário. — e então muda levemente de assunto. — E como saímos de lá?
— pergunta intrigado. — Pois até agora não consegui entender isso. Você e o
Gabriel o derrotaram?
— Nem em um milhão de anos
conseguiríamos esse feito. — responde. — Ele desistiu de lutar e me mandou
embora. Você e o Gabriel estavam desmaiados no chão. Disse para eu pegar vocês
e sumir de lá. E quando eu disse que queria o corpo da Anane, ele simplesmente
me respondeu que iríamos ter notícias dela em breve. E no dia seguinte ela foi
encontrada viva.
— Eu vi o jornal nesse dia. Nem
consigo acreditar ainda. Por um lado valeu à pena ter ido até lá. Conseguimos
salvá-la. — e sorri. — Isso me deixou muito feliz.
Nisso a mãe de Miguel entra no
quarto trazendo a toalha que havia prometido.
— Lhe trouxe a toalha para você
poder se secar. — e a entrega a Raguel. — Quer ir ao outro quarto fazer isso? —
pergunta.
— Ela vai fazer aqui mesmo, mãe. —
interpela Miguel. E a mãe dele arregala os olhos. — Eu vou emprestar umas
roupas minhas para ela e vou esperar do lado de fora do quarto, ta? Não precisa
me olhar com essa cara. Eu não sou um pervertido.
E Raguel solta um riso.
— Eu sei que não, meu filho.
— Mas pela cara que fez antes
parecia. E mãe, não esquece que eu sou namorado da Jennifer. Eu sou um homem
comprometido.
— Homem? Hahaha! — gargalha. — No
máximo um menino ainda. — e sai pela porta.
Raguel novamente dá risadas.
— E tá rindo do que?
— Nada não, homenzão! — e solta gargalhadas.
— Eu devia te deixar molhada. Mas
como sou um cavalheiro, vou pegar umas roupas minhas pra te emprestar, sua
ingrata. — Miguel caminha até o guarda-roupa e escolhe umas mudas de roupas
para ela. Larga em cima da cama e diz: — Só escolher a que lhe servir melhor.
Vou estar ali no corredor.
— Ok. — e assim que Miguel sai, ela
fecha a porta.
Raguel começa a se despir lentamente
e a primeira peça de roupa que tira é a blusa e logo em seguida o sapato e a
calça. Ficando apenas com suas roupas de baixo. Seu corpo é muito bonito,
levemente musculoso, mas bastante feminino com traços de delicadeza. Alguns
pequenos hematomas se espalham por seu braço direito — lembrança de sua última
luta. —. Ela caminha lentamente até o espelho que fica na porta do guarda-roupa
e vira-se de costas para ele. Em suas costas, duas cicatrizes na vertical cortam
a escapula em ambos os lados. E então ela pensa: “Eu só gostaria de saber por que estou com essas malditas cicatrizes em
minhas costas. Eu nunca as tive. Mistérios que eu adoraria desvendar”. Após
isso, ela pega a toalha em cima da cama e começa a secar seu corpo. Seca
novamente, ela escolhe uma calça de moletom e uma camisa com uma estampa da
banda Kiss e as veste. Logo em seguida, abre a porta do quarto.
Miguel olha para ela e comenta:
— Ficou bonita. Heheh.
— Seu bobo. — e agradece com o rosto
ruborizado: — Obrigada. Também gostei.
— Então senta aí e vamos conversar.
— fala Miguel sentando na cama.
Raguel senta próxima dele e comenta:
— Como é bom estar seca e quentinha
novamente.
— Se quiser se enrolar no cobertor
sinta-se a vontade. Minha casa é sua casa.
— Vou fazer isso então. — e puxa o
cobertor para cima, encolhendo as pernas e encostando-se na parede. — Sabe — e
retoma a conversa que estavam tendo anteriormente. —, o Rafael me falou uma
coisa hoje que está me fazendo pensar nisso até agora.
— E o que é? — pergunta Miguel
intrigado.
— Ele acha que podemos estar
vivenciando o Apocalipse. — responde. — Até citou a passagem da Bíblia em que o
cavaleiro de nome Morte surge. Parando um pouquinho para pensar até que faz
bastante sentido. E isso me deixou preocupada demais, porque se estamos vivendo
os últimos dias do ser humano na Terra o que vai ser quando tudo acabar? Para
onde iremos? Até hoje eu nunca tinha parado para pensar nisso efetivamente,
sabe, para mim era algo distante e que sinceramente não fazia nenhum sentido.
Mas então quando enfrentamos aquele demônio — faz uma pequena pausa e respira
fundo. —, ele me socou tanto que eu sentia os ossos da minha face se quebrando
e a dor era insuportável. Eu fiz as minhas necessidades na roupa! — exclama. — E
então — faz mais uma pausa e lágrimas começam a escorrer de seus olhos. —, ele
começou a torcer minha cabeça e a última coisa que eu lembro foi de não sentir
mais meu corpo e tudo então escureceu. Eu havia morrido. Para ele foi tão
fácil. Essa lembrança nunca me sai da cabeça. — e começa a chorar
profundamente.
— Eu... — Miguel se aproxima dela e
a envolve em seus braços, abraçando-a apertado.
Raguel encosta sua cabeça no ombro
dele e o abraça. E assim eles ficam por alguns minutos.
— Você é tão quentinho. — Raguel
comenta delicadamente. — Sua pele é tão gostosa de tocar.
— Deve ser porque você está com frio
por causa do banho de chuva que tomou. — e toca na ponta do nariz dela. —
Gelado, viu?
— Deve ser por isso mesmo. — e sorri,
se afastando dele. — Obrigada por me acalmar. O seu abraço foi de grande ajuda.
— Bom, pelo visto esse assunto deixou
você bastante deprimida. Que tal conversarmos sobre outra coisa?
— Não. Tem algo que eu preciso lhe
contar. Ainda não falei sobre isso com ninguém.
— E o que é? — as palavras
instigaram a sua curiosidade.
— Lembra que quando estávamos
lutando contra o Mandrágora eu fui jogada no vitral?
— Mandrágora?!
— Esse era o nome dele. Foi o que
ele me falou. Mas me deixe terminar de falar. — Miguel assente com a cabeça. —
Então, eu acabei desmaiando com a pancada, mas quando eu acordei e olhei para o
lado de fora, você não tem noção do que eu vi! Eu vi literalmente o Inferno na
minha frente. O céu era vermelho e havia um sol negro o iluminando. Nuvens
negras como o carvão, cinzas e fumaça subiam ao céu. E havia muitas, mas muitas
tempestades de raios no céu. Era como se ao entrarmos naquela Igreja tivéssemos
sido jogados em outra dimensão.
— É muita informação em pouco tempo,
me deixa assimilar tudo antes que eu enlouqueça. — fica em silêncio por alguns
segundos. — Demônios, Inferno... o que mais falta? — exclama.
— Me explicar tudo o que está
acontecendo! — dispara Jennifer entrando no quarto. — Oi Raguel. — e a olha de
cima a baixo.
— Oi. — cumprimenta de volta.
Jennifer puxa uma cadeira e senta.
— Eu andei conversando com o Rafael,
fui visitar o Gabriel e vocês estão me escondendo algumas coisas. Porque vocês
estão agindo muito estranho! — afirma. — E o principal, essa historinha de
terem sido atacados por uma gangue é difícil de engolir! E sabem por quê? Por
que depois de tudo o que passamos, uma simples gangue seria mais fácil de
detonar do que tirar pirulito de criança! — e encara os dois. — Então parem de
achar que sou uma idiota e comecem a me explicar tudo! Desde o começo! — exige,
com o tom de voz bastante áspero.
— Ok. — fala Miguel concordando em
contar tudo para a namorada.
Ele começa primeiramente falando
sobre a visão que teve com o velho em frente ao colégio, e sobre a conversa que
teve com Gabriel. Além das diferenças entre a Porto Alegre que lembrava e a que
viu quando foi a Igreja. Raguel também fala sobre o velho e logo depois, ela e
Miguel falam sobre o que aconteceu na Igreja e o porquê de Gabriel estar
internado no hospital. E finalizando, Raguel fala sobre a conversa com Rafael
no colégio e sobre ter visto o Inferno.
— Uau! — Exclama Jennifer. — Nem sei
o que dizer. É tanta informação que... Uau! Preciso digerir isso tudo.
— Foi exatamente isso que eu senti.
— comenta Miguel.
— Mas vocês realmente acreditam que
estamos vivendo o Apocalipse? — indaga Jennifer.
— Eu estava um pouco incrédulo. —
fala Miguel seriamente. — Mas depois de toda essa conversa que tivemos
novamente e ligando algumas coisas, realmente passou a fazer um pouco mais de
sentido. Há muitos acontecimentos provando isso e a presença de seres
sobrenaturais só colocam mais lenha na fogueira.
— Mas até agora vocês só viram um. —
comenta Jennifer.
— Não se esqueça daquele primeiro
que enfrentamos no apocalipse zumbi. — relembra Miguel. — O que infelizmente
matou você naquela ocasião e que eu acabei não podendo enfrentá-lo devido ao
que ocorreu.
— Lembro-me muito bem dele. — fala
Jennifer. — Era uma criatura com poderes sobre-humanos. Acho que nunca comentei
isso com vocês, mas o vi rasgar um homem ao meio na minha frente. Nunca tinha
visto tamanha violência em toda a minha vida. Mas porque vocês não me contaram
isso antes e não me deixaram ir junto com vocês? — pergunta.
— Foi como eu disse antes — Miguel
começa a responder. —, eu estava intrigado e o Gabriel acabou vindo aqui e me
convidou para irmos até a Igreja. Não foi que eu não quis lhe contar nada, o
fato é que ocorreu tudo rápido demais. E sinceramente, você só seria machucada,
porque de nós você é a única que sabe lutar bem. E certamente iria querer
enfrentá-lo e até algo pior poderia ter acontecido.
— Bom, vendo por este lado você tem
razão. — fala Jennifer. — Eu estava tão brava com você por causa disso, mas...
Repentinamente um estouro é ouvido e
as luzes se apagam transformando a noite em trevas. Um forte vendaval começa a
soprar do lado de fora e o som das árvores sacudindo pode ser ouvido. Relâmpagos
começam a cruzar os céus iluminado a noite por poucos segundos.
— Uma tempestade repentina?! —
indaga Jennifer.
— Precisamos ir a um lugar! — fala
Miguel repentinamente. — Estou com uma sensação estranha, um aperto no peito.
Não sei explicar.
— E iremos aonde? — pergunta Raguel.
— Aonde deveríamos estar nesse exato
momento. Não podemos deixá-lo sozinho. Depois de tudo o que passamos nesses
últimos dias, uma vingança seria mais óbvia do que andar para frente.
— Não tenho tanta certeza. — opina
Raguel. — Mas se você acha isso pode contar comigo ao seu lado.
— Então iremos todos juntos. — fala
Jennifer. — Se isso que você está sentindo se concretizar precisará de toda a
força disponível.
— Então vamos nessa! — fala Miguel.
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