A poeira não chega a baixar e
Miguel, Jennifer e Raguel adentram o corredor pelo buraco aberto com a explosão
da granada. Ao olharem a esquerda, se deparam com Camael e Surya, dois
estranhos para eles. Miguel os encara e então se vira na direção dos dois.
— Quem são vocês? — pergunta
rispidamente.
Surya sai de trás de Camael e então
responde:
— Nós estávamos fazendo uma visita
para um parente nosso quando faltou luz.
Miguel dá uma rápida olhada ao redor
e vê os corpos dos zumbis destroçados pelo chão e sangue por todos os lados.
— E quem fez isso com eles? —
pergunta olhando para Camael, pois suas roupas e mãos estão nitidamente sujas
de sangue.
— Fui eu! — responde Camael. — Eu
não podia deixar essas criaturas machucarem a minha namorada!
E Surya olha para ele com um ar
bastante desconfortável com o que acabou de ser dito.
Jennifer observa a expressão de
Surya e se aproxima do ouvido de Miguel e o alerta:
— Ele está mentindo.
— Como você sabe? — pergunta Miguel
sussurrando.
— Quando ele terminou de falar que a
protegeu e a chamou de namorada, ela olhou para ele com ar de reprovação. —
responde. — Isso quer dizer que nem namorados eles são. Podem ser ladrõezinhos
ou mesmo pessoas querendo se defender. O que você vai fazer?
Até hoje, eles nunca haviam visto
anjos, as únicas criaturas não-humanas foram os dois demônios e os zumbis.
Então, certamente Jennifer deve estar pensando que são humanos. Não apenas ela
é claro, mas o trio em si.
Miguel dá um passo à frente e diz:
— Vocês podem até enganar os outros,
mas eu tenho pessoas ao meu lado que lidam com gente da sua laia há muito
tempo. Falem a verdade! — esbraveja.
Surya olha para Camael e questiona:
— Será que eles já sabem o que
somos?
— Não. — responde, e vira-se para
Miguel. — Ok, nós mentimos. Ela não é minha namorada, na verdade ela é uma
amiga a qual eu vim acompanhar e então tudo virou de cabeça para baixo e eu
estou lutando para protegê-la. Deu para entender agora? — fala com um tom de
voz um pouco mais agressivo.
— Tem algo muito estranho neles. Mas
não consigo saber o que é. — pensa Miguel olhando para Camael e Surya. — Está
certo, vou lhe dar um voto de confiança. — fala. — Mas se eu perceber algo
errado pode ter certeza que eu não serei um cara legal!
— Não precisamos que você seja
legal. — fala Camael rudemente. — Só queremos sair daqui. — mente.
— Está certo. — fala Miguel. — Agora
se nos dão licença, temos um amigo para visitar neste andar.
E os três saem caminhando em direção
ao quarto onde Gabriel está. Ao se aproximarem de Camael e Surya, um forte
vento sopra vindo do lado de fora e um uivo rasga os céus.
— Protejam-se! — Grita Camael
virando-se de costas para as vidraças e protegendo Surya.
Instintivamente, Miguel e as garotas
viram-se também de costas para as vidraças e correm em direção a parede
contrária. E então, uma onda sonora destrói as vidraças, arremessando cacos de
vidros para todos os lados e um vulto alado adentra o hospital.
Camael rapidamente olha para Surya e
avisa:
— Um demônio extremamente poderoso
acabou de adentrar. Cuide deles para mim, por favor!
— O que você vai fazer? — pergunta
Surya olhando nos olhos de Camael.
— Vou lutar se assim me for ordenado
e por isso preciso que você leve eles para longe daqui. Nós somos anjos, mas
Miguel, Gabriel e Raguel perderam a divindade e podem ser evaporados pela minha
aura etérea. Vá para perto deles e os ajude a tirarem o Gabriel daqui.
— Vou ajudá-los sim! — fala Surya.
E então Camael vira-se em direção ao
ser que entrou e arregala os olhos ao ver quem está a sua frente. A criatura
tem um tamanho impressionante, muito maior do que qualquer humano ou anjo, com
um corpo musculoso, pequenas asas negras e uma longa cauda. Orelhas compridas e
pontudas projetam-se da face bestial e chifres se projetam da testa.
— Olá Camael. — fala a criatura
cumprimentando o anjo. — Há quantos séculos não é?
— As-Asmodeus?! — gagueja Camael. —
O que um demônio como você está fazendo aqui?
— Surpreso com a minha presença?
Hahaha. — ri levemente. — Vim levar um certo Arcanjo comigo e dar cabo de
outros dois e daquela bruxa maldita que me feriu a séculos atrás!
— De quem você está falando? —
estranha. — Que bruxa é essa?
— Você se lembra o motivo pelo qual
o seu Arcanjo preferido caiu?
— É claro que eu lembro, foi por
causa da Arádia di Toscano. Miguel a amava e não suportava mais vê-la ser
torturada dia após dia pelos inquisidores, que foi diretamente ao Pai Celestial
e suplicou para cair.
— Então? Já se ligou quem ela é? —
pergunta com um leve sorriso no canto da boca.
Camael olha para Jennifer — que
nesse momento está sendo levada junto com Miguel e Raguel por Surya — e vê em
seu rosto os traços da bruxa que o ajudou a derrotar Asmodeus no ano de 1334.
— Não pode ser! — se surpreende em
nunca ter pensado nisso.
— A sua convivência com esses
macacos está lhe deixando cada vez mais ignorante. — dispara. — Por séculos
eles têm renascido e revivido essa, eca, história de amor.
— Mas isso não é possível! Ela era apenas
uma humana...
— Você é tão burro assim?! —
Asmodeus o interrompe. — É claro que tem o dedo do seu querido papaizinho
nisso. Ou você acha que ele iria deixar o querido Mik’hail renascer e renascer uma
vez após a outra sem nunca mais ver o que o motivou a se tornar um Caído. E por
isso eu estou aqui! Para matar todos e acabar com essa historinha romântica dos
dois. Você sabe muito bem que por eu nunca ter sido um Anjo, eu possuo aquilo
que só os humanos detém, o livre-arbítrio. Algo que nem mesmo o próprio Lúcifer
tem. Portanto, eu posso fazer o que eu quiser, aonde eu quiser e na hora que eu
quiser. Inclusive o dom de ir e vir quando eu quiser!
— Mas isso acaba hoje! — avisa
Camael. — Não vou deixar você encostar num fio de cabelo deles!
— Eu acho que você não entendeu o
que eu disse. Mas eu vou repetir: Eu disse que vim para matá-los! E não será um
mero Anjo que irá me impedir! Eu sou o grande Rei de Sodoma, o representante do
último pecado, o homem mais impuro já nascido. Meu poder supera em muito o de
vocês! E nem uma Legião de mil Anjos poderia me parar!
— Você fala demais! — e fecha os
punhos. — E desse combate só um de nós saíra vivo e eu garanto que serei eu!
— É o que veremos! — fala Asmodeus
batendo com a cauda no chão e abrindo um sulco.
Alguns minutos antes...
— Vamos sair daqui! — fala Surya se
aproximando rapidamente dos três. — O meu amigo vai distraí-lo para podermos
fugir.
Miguel olha para Surya e diz:
— Não podemos! Eu preciso tirar o
meu amigo daqui! E o seu amigo está correndo risco de vida, pois ele não sabe o
que vai enfrentar! O que está ali está além da sua imaginação!
— Não importa quem seja esse maluco!
Eu confio nele!
Miguel agarra Surya pelos ombros e
repete o que disse anteriormente, mas com outras palavras:
— Você não está entendendo, essa
criatura não é humana! Quando eu disse que ele está além da sua imaginação é
porque não importa o que o seu amigo faça, jamais vai conseguir sequer machucar
esse demônio!
— Você disse demônio?! — Surya se
espanta com o fato de Miguel saber o que Asmodeus é. — Da onde tirou isso?
— Nós já enfrentamos essas criaturas
duas vezes e sinto lhe informar que em nenhuma delas fomos bem sucedidos. —
adverti. — É por um milagre que estamos vivos. Aquele homem não tem a menor
chance contra aquela criatura!
— Não importa! Precisamos sair daqui
e tirar o seu amigo desse lugar urgente! — avisa. — Acreditem em mim!
— Porque toda essa preocupação em
tirar o nosso amigo daqui? — pergunta Raguel. — O que tem de tão urgente nisso?
Tirando, é claro, o fato de termos esse demônio aqui conosco. Onde acreditamos
que ele só está aqui para se vingar de nós. Mas você jamais poderia saber
disso.
— E realmente eu não sei, mas como
vocês dizem, minha intuição diz para fazermos isso. — responde Surya pegando
Jennifer pela mão e a puxando na direção oposta aonde se encontram Camael e
Asmodeus.
— “Como vocês dizem”? — pensa Miguel
estranhando o que Surya disse, e continua: — Não, ela não deveria ter dito
dessa forma. E porque eles estariam logo nesse andar? Coincidência? Nem um pouco!
Isso só me faz pensar que eles sejam...
— Vai ficar aí parado? — pergunta
Surya interrompendo os pensamentos de Miguel. — Vamos logo!
— Me solte! — esbraveja Jennifer
puxando o braço e soltando sua mão da mão de Surya. — Eu não vou com você! — e
caminha rapidamente na direção de Miguel. — O que vamos fazer? — pergunta. —
Lutar?
— Agora eu entendi tudo. — fala
Miguel. — É como o Rafael havia dito: se existem demônios é óbvio que existirão
anjos também. Se existe o mal, tem que existir o bem. — divaga. — E não seriam
nós humanos a enfrentar essas criaturas, mas sim os exércitos celestiais. Tudo
faz sentido. Se os demônios estão caminhando sobre a Terra, Deus deve ter
mandado seus anjos para os enfrentarem. O Rafael estava certo desde o começo!
Jennifer olha para Miguel e acrescenta:
— Se Deus mandou seus anjos como
você está dizendo, onde estão os Arcanjos? Nenhum anjo seria capaz de derrotar
esse cara chamado Asmodeus. Ele é o mais próximo de Lúcifer em poder. Somente
os Arcanjos teriam alguma chance contra ele.
— E como você sabe disso? — pergunta
Miguel curioso.
— Eu não sei, simplesmente veio a
minha cabeça e eu falei. — responde. — Devo ter lido em algum lugar. —
completa.
Surya olha para o casal e um leve
sorriso toma conta de seus lábios. Raguel observando a satisfação com que Surya
observa os dois, ela caminha até eles e diz:
— Isso não está certo. Tem alguma
coisa muito estranha aqui, mas eu não consigo saber o que é. Mas eu sinto isso.
A minha cabeça está estranha, meu corpo está estranho, é como se eu soubesse de
coisas que eu não deveria saber.
— Está estranho sim. — concorda
Miguel. — E eu não sei por que, mas eu sinto uma vontade louca de sair voando e
esmurrar esse demônio até ouvir seus ossos quebrando. — e olha para Asmodeus. —
Eu sinto nojo só de proferir a palavra demônio. E eu tenho a mais absoluta
certeza que se eu quiser desmembro esse monstro com uma mão nas costas.
Surya caminha até eles e diz:
— Um dia vocês irão entender isso
que estão sentindo, mas não hoje. — e aponta a palma da mão na direção deles. —
Então esqueçam o que aconteceu a...
Então com um rápido movimento,
Miguel segura o braço de Surya e o direciona para baixo.
— Nem pense em fazer isso. Hoje eu
não perco esse momento por nada! Durante toda a minha vida eu me senti um fraco
perante os outros, sempre sofri o preconceito dos outros garotos na escola,
sempre era surrado pelos mesmos colegas, mas hoje eu irei mostrar o orgulho que
possuo! Hoje eu irei derrotar um demônio ao lado de um anjo. — e solta o braço
de Surya. — Hoje eu irei proteger a mulher que eu amo e os meus amigos Gabriel,
Rafael e Raguel. — e sorri.
Miguel sai correndo na direção de
Camael e Asmodeus, e Surya pensa:
— Ele ainda continua sendo o mesmo
Miguel de épocas imemoráveis. Sempre querendo proteger todos que o rodeiam. Mas
hoje infelizmente ele não é mais um Arcanjo, o nosso chefe supremo, e por isso
eu suplico ao Senhor meu Pai que somente neste momento devolva a seu filho toda
a sua aura etérea. Que o Senhor me ouça, por favor, pois seu mais querido filho
precisa de ti.
E nisso, um leve brilho envolve
Miguel, mas logo desaparece. Surya extremamente feliz com esse sinal divino
olha para cima e agradece com um belo sorriso. E então Miguel pára ao lado de
Camael e este se espanta com isso.
— O que está fazendo aqui, rapaz?
Você deveria ter ido embora junto com a minha amiga! A última coisa que eu
quero é que você se machuque!
— Eu sei muito bem o que está
rolando aqui. E achou mesmo que eu iria fugir e perder a chance da minha vida
de lutar ao lado de um anjo? Enganou-se. — e sorri. — Eu vou lutar ao seu lado
e o ajudar a derrotar esse pária!
Camael sente a aura que envolve
Miguel e rejubila-se ao saber que o Príncipe Guardião lutará ao seu lado.
— Seja bem-vindo, meu General.
Miguel apenas o olha, mas nada diz.
E então se vira na direção de Asmodeus e sorri. Seu sorriso parece evocar a
épocas que se perderam no tempo. Um sorriso de desafio. Um sorriso que há muito
tempo Asmodeus não via. O sorriso de um Arcanjo.
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