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Armagedon - Um Mundo em Caos / Final Odyssey de Fernando Athayde dos Santos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Um Mundo Em Caos - 37


Quatro dias se passam e Arádia está caída no chão da cela visivelmente debilitada pelos dias sem comida, pois água não lhe faltara já que a recebera todos os dias.

O sol do meio-dia está a pico e o dia incrivelmente abafado. As dependências do alojamento são quase insuportáveis de se agüentar em dias quentes e a cela então, é quase um seguimento do Inferno de tão quente. Com dias assim, os soldados e os membros do Clero ou ficam no pátio a sombra das árvores, ou buscam conforto nas sombras criadas pelas altas construções. Devido a isso, as dependências ficam vazias e se alguém quiser fazer algo sem ser visto, esta é a oportunidade perfeita.

Passos calmos são ouvidos no corredor e Arádia ergue levemente a cabeça. Um soldado com seus vinte e cincos anos de idade e semblante bastante humilde se aproxima da cela e agachando-se diz:

— Vim lhe trazer esse copo de água, minha senhora.

Arádia agradece e agarra o copo bebendo toda a água que havia nele. Ela então segura as mãos do soldado e o adverte:

— Você não deve mais vir aqui. Eu ouvi uma conversa entre o Inquisidor e o chefe da guarda. Eles estão suspeitando que alguém esteja me ajudando, então lhe peço para não aparecer mais aqui. Não quero que seja morto por minha causa, já perdi alguém e não desejo que sua esposa passe pela mesma dor que a minha.

— Eu lhe ajudo porque acho um absurdo o que estão fazendo com você. E do fundo do meu coração, aquele homem não era um demônio porcaria nenhuma, era um anjo em toda a sua magnitude. Eles mataram um anjo do Senhor. E eu tenho medo do que possa acontecer conosco depois disso. — confessa. — Eu temo por todos. — e enche os olhos de água.

— Com esse pensamento, o seu lugar no céu está garantido. — o conforta. — E ele não era um anjo, era um Arcanjo. O Arcanjo Miguel.

O soldado cai para trás e então se recompõe dizendo estupefato:

— Você está me dizendo que ele era um dos sete Arcanjos do Senhor?

— Exatamente, meu querido. — responde. — Agora vá embora. Ouço passos se aproximando daqui.

O soldado se despede e sai caminhando a passos largos por outro corredor. Nisso, o Inquisidor chega à cela acompanhado de três soldados e outras dez pessoas, todos homens. Ele abre a cela e ordena que os soldados entrem e prendam Arádia nas correntes virada de costas para eles. Os soldados a prendem pelas pernas e pulsos e então o Inquisidor adentra a cela.

— Presa como o animal que é. Ah, lembra-se o que eu havia dito antes de partir aquele dia? — Arádia nada responde. — Desculpe pela pergunta, esqueci que você estava desacordada. Mas enfim, vou repeti-la para você ouvir. Está vendo estes dez homens que vieram comigo? — e Arádia olha para trás com o canto do olho. — Viu? Que bom. Então, cada um deles abusará de você da forma que bem entender. Esse é o castigo por se deitar com o demônio. Você será usada e abusada por quantos quiserem e nada poderá fazer para impedir.

E nisso, o Inquisidor rasga o vestido que ela está usando, deixando-a completamente despida.

— Creio que não terá problemas quanto isso. — fala o Inquisidor se referindo a ela ter ficado nua. — Já que não teve nenhuma vergonha perante o demônio. Agora se me dá licença, vou me retirar e deixar você a sós com eles. Espero que se divirtam.

O Inquisidor se retira e os soldados ficam parados em frente a cela. Um dos homens entra trazendo em uma das mãos um pequeno chicote de couro batido. Ao se aproximar de Arádia, gira o pequeno chicote no ar e o faz descer com toda a sua força rasgando a pele das costas de Arádia. Ela fecha os olhos e permanece calada, mesmo sendo fustigada por várias chicotadas que vão abrindo feridas em suas costas, onde o sangue escorre por seu corpo. O homem finalmente pára de chicotá-la e então arria as calças e encosta seu corpo no dela. Ele lambe o pescoço dela e então a agarra pelas coxas e Arádia deixa lágrimas caírem de seus olhos. E assim segue por mais sete dias, chicotas, espancamentos e estupros.

 

Em outro mundo, uma ilha flutua sobre o nada. Uma ilha com milhares de casas, estabelecimentos e densamente povoada por anjos e humanos. Ao redor da ilha, uma bela planície com árvores floridas embeleza o local. Mais para o interior, em meio às casas e os estabelecimentos comerciais, uma suntuosa construção se destaca, o fabuloso Castelo העליונים — Ha-elyonim —. Sua base circular é enorme, de onde emergem quatro torres com centenas de metros de altura e protegidas em seu topo por anjos fortemente armados. Muralhas de pedra o protegem contra invasões terrestres. O Castelo em si, é uma obra-prima da arquitetura gótica com vários andares e vitrais espalhados por todos os lados contando a história desde a criação até o momento atual. Duas grandiosas estátuas de leões embelezam a escadaria de entrada do Castelo.

Caminhando por um longo corredor, uma jovem mulher-anjo carrega em seus braços toalhas brancas dobradas em retângulo. Ela é uma mulher de pele clara, lábios vermelhos, olhos verdes e cabelos loiros encaracolados. Ela é incrivelmente bonita e veste-se com uma túnica branca levemente transparente. Ela se aproxima de uma porta dupla, que está entreaberta e adentra o recinto. Deitado em uma cama no centro do quarto, está Miguel, com suas asas recolhidas.

— Como está se sentindo hoje, General? — pergunta a mulher.

— Melhor que ontem, Sariel, obrigado por perguntar. — responde cordialmente. — Agora preciso me retirar. — e seu semblante se torna sério. — Preciso salvar uma pessoa, pois não agüento mais ouvir seus gritos em minha cabeça.

— Desculpe, mas não posso deixá-lo sair daqui. — avisa.

Miguel levanta-se da cama e caminha na direção de Sariel.

— Mesmo que eu não esteja em minhas condições físicas ideais, eu continuo sendo um Arcanjo e você um anjo. — explica. — Um abismo de poder nos separa. Então saia da minha frente antes que se machuque. — adverte.

— Mesmo que a força que nos separa seja gigantesca, irei confrontá-lo mesmo assim. — fala determinada.

— Se é assim que desejas, lhe mostrarei do que um Arcanjo é capaz. — fala em tom de desafio.

E os dois assumem posição de combate.

— Esperem! Não quero lutas no meu Castelo!

Miguel olha para o lado e exclama:

— Gabriel, o Arauto dos Mistérios Divinos! Lhe agradeço por me trazer de volta. Mas lhe amaldiçôo por não salvar a mulher que amo! — e continua: — Faz sete dias que a ouço pedindo socorro e ninguém foi ajudá-la! Nenhum maldito anjo foi ajudá-la! Vocês não fizeram nada por ela!

— E nem iremos fazer. — declara Gabriel. — E você também não irá!

— Você irá me impedir? — pergunta cerrando os punhos.

— Você sabe muito bem que ela é a encarnação de um deus pagão! Um deus que foi banido do mundo e que não sei como, renasceu como uma humana. Um imundo deus pagão! — esbraveja.

— Eu não me importo com quem ela seja! ­— rebate. — Todos merecem uma segunda chance! Inclusive a deusa Diana. E a coisa mais triste desse mundo é duas pessoas estarem destinadas a se amarem e tirarem isso delas. Foi exatamente o que vocês fizeram conosco!

E nisso, Rafael entra voando pela janela e pousa graciosamente.

— Acalme-se Miguel. São as regras do Céu e precisamos segui-las.

— Que se danem as regras, Rafael! — protesta. — Cansei dessas merdas! Eu não desejo mais ser um Arcanjo, quero ser livre e viver a minha vida. — acrescenta, lembrando de Arádia, a mulher que o fez se sentir tão humano. — E a primeira coisa que farei é salvar a mulher que eu amo! — e sai caminhando em direção a porta.

— Não posso permitir que você faça isso! — fala Gabriel obstruindo a passagem de Miguel.

— Saia da minha frente! — ordena.

— Não irei! — replica.

Miguel gira seu corpo sobre os pés e golpeia Gabriel com um soco no rosto. O golpe faz tremer a ilha inteira e pôde ser sentido há anos luz dali. Gabriel é arremessado longe e atravessa algumas paredes caindo do lado de fora do Castelo. Miguel vira-se para Rafael e este diz:

— Eu não irei lhe segurar. Siga seu caminho meu amigo e seja feliz.

Miguel se aproxima de Rafael e os dois se abraçam fraternalmente. Após isso, ele se lança pela janela e alça vôo, seguindo em direção a uma distante ilha.

Após algumas horas de vôo, Miguel chega a uma ilha coberta por árvores e na parte central, exatamente no meio, um pequeno palácio está localizado. Miguel pousa bem próximo do palácio e caminha em direção a porta, nisso, dois Querubins saem de dentro e barram a entrada dele. Um dos Querubins é Surya e o outro é um homem com mais de 2,10 metros, cabelos negros compridos e lisos, olhos negros, aspecto bárbaro e muito forte. Além disso, está vestindo uma armadura reluzente de cor prata.

— O que deseja Arcanjo? — pergunta o Querubim.

— Eu vim falar com o Altíssimo. — responde seriamente.

Com uma velocidade sobrenatural, uma mulher-Arcanjo pousa ao lado de Miguel e exige explicações:

— Mestre Miguel, é verdade o que estão dizendo? Você atacou o Arcanjo Gabriel? É verdade isso? Eu preciso de explicações!

— É verdade sim, Raguel, não irei mentir para você minha amiga.

— E por que fez isso?

— Pelo motivo ao qual estou aqui. Eu desisti de ser um Arcanjo, eu quero viver na Terra ao lado da Arádia. Desculpe não ficar mais tempo aqui com você, mas preciso ser rápido se eu ainda quiser vê-la viva.

— Então eu irei junto. — declara surpreendendo Miguel. — Não permitirei que você ande sozinho pela Terra. Lá não é como aqui, o perigo ronda a cada esquina.

— Espera. Não. Eu não quero que você vá. Isso não é um motim, ou algo parecido, eu só estou indo embora para viver a minha vida. Você está condicionada a viver aqui. Nunca foi a Terra, o que você sabe são o que os anjos contam. Mas eu já fui várias vezes e sei como as coisas funcionam. E o principal, alguém precisa comandar os exércitos e eu sei que esse alguém só pode ser você.

— Eu tive o melhor mestre. — e sorri.

— Agora me deixei ir. Um dia quem sabe eu retorno. Até lá, mantenha a ordem aqui em cima.

Raguel suspira e abraça Miguel.

— Eu vou sentir a sua falta.

— E eu sentirei a sua. — fala retribuindo o carinho. — Até breve.

Os dois Querubins abrem caminho para ele e Surya diz:

— Boa sorte na Terra.

Miguel sorri para ela e adentra o palácio. Ao cruzar a porta, ele sente um vento frio que gela a sua espinha. A iluminação é feita por dois braseiros que não emanam calor nenhum. O local é todo feito de granizo branco e logo a frente, um majestoso trono de pedra se recosta no recuo da parede norte. No lado esquerdo, um pequeno altar oferece espaço para uma pessoa acender velas e rezar.

Miguel dá alguns passos e pára. Ele olha para os lados, mas o salão estaria completamente vazio senão fosse pela própria presença dele. Miguel pensa um pouco e então diz:

— Altíssimo, eu queria lhe suplicar um favor.

— Diga meu filho. — uma voz calma e cheia de paz ecoa pelo recinto.

Miguel olha para os lados, mas não vê ninguém.

— Eu desejo não mais ser um Arcanjo. Eu quero viver entre os humanos.

— Eu já sabia, mas desejei do fundo do coração que fosse um engano. Mas me diga por que isso?

— Bom, Altíssimo, eu me apaixonei por uma humana, na verdade a reencarnação de uma deusa pagã. Me desculpe por isso, mas quero viver esse sentimento que estou sentido. — justifica. — Então se puder realizar esse meu pedido, quero que o faça.

— Miguel, você sempre esteve lutando ao lado de seus companheiros. Enfrentou inúmeras batalhas, expulsou o seu irmão Lúcifer, creio que o que fez por nós lhe garante esse pedido. — constata. — Mas antes de ir, terei que tirar algo de você.

— As minhas asas, eu sei, assim como tirou as do meu irmão — relembra. — Não precisarei delas para onde irei. Lá, só os pássaros voam. E eu não sou um. Mas se um dia precisar de mim novamente, é só me chamar que estarei pronto para lhe defender.

— Fico feliz em saber disso. E eu não estou triste ou bravo por ter se apaixonado por ela, afinal, fui eu quem permitiu que ela encarnasse. E ela vem cumprindo os desígnios dela muito bem, pois está trazendo a liberdade para as classes oprimidas pelo clero e pela nobreza. E vem demonstrando um grande amor pelos necessitados desde a sua infância. Ela é uma grande pessoa meu filho.

— Foi por isso que me apaixonei por ela, Senhor.

— Perco o meu principal general e a Terra ganha um fervoroso defensor dos necessitados... — uma curta pausa se segue. — Então, está preparado?

— Sim, Senhor. — responde Miguel fechando os olhos. — Pode começar.

Tudo escurece e, em questão de segundos, Miguel surge na Catedral de Santa Reparata. Suas roupas agora são terrenas e seu ar angelical não mais se faz presente. Ele lentamente leva as mãos as costas e nota que suas asas não mais fazem companhia ao seu corpo. Seu desejo foi atendido e agora ele não passa de um humano, como era o seu desejo. Por um momento, o motivo que o fez se tornar um Caído foi superado pelo pensamento de que agora ele não é mais um Arcanjo e, portanto, qualquer arma criada pelo homem agora pode tanto matá-lo, quanto feri-lo. De repente, o motivo pelo qual se tornou o que é agora, volta a dominar seus pensamentos.

— Arádia! — exclama e sai correndo em direção a porta da Catedral.

Miguel sai da Catedral e segue correndo por entre prédios e casas até chegar a uma ponte. Ele cruza a ponte e entra em uma pequena viela que o leva direto a praça que fica em frente ao alojamento dos soldados. Ele encosta-se em uma pequena mureta de concreto e fica observando o movimento que ocorre no local. Montada no centro da praça há uma cruz de madeira em tamanho grande com dezenas de pedaços de madeira ao redor, formando uma pira.

— Típico deles. — pensa Miguel, apenas observando e apoiando sua mão na mureta. — Após os dias de tortura, queimam em praça pública para mostrar que devem ser temidos. Um comportamento inferior a um animal. — e acaba enterrando os dedos na mureta. — Força? — com uma pressão sobre a mureta, acaba por destruí-la. — Obrigado por me deixar com força suficiente para enfrentá-los. — agradece, olhando para cima.

— Miguel. — uma voz masculina o chama.

Miguel permanece sem se mover por alguns segundos e então se vira para trás.

— Quem? Camael... Que grata surpresa. — se alegra ao ver o amigo.

— Vim lhe ajudar a pedido de Rafael. Ele se preocupa muito com você.

— Eu sei. — e ao observar melhor o amigo, repara que este está sem suas asas. — Não me diga que também virou humano?

— Não, mas Surya me ajudou com uma de suas técnicas a esconder minhas asas. — responde Camael e Miguel solta um suspiro de alívio. — Infelizmente não dura por muito tempo, então o que quer que esteja planejando, precisamos agir rápido. — avisa.

— Bom, pela movimentação que está ocorrendo na praça, eles pretendem queimá-la em uma pira para que toda a população possa ver. — explica. — Não sei que hora isso irá ocorrer, mas pela agitação das pessoas, creio quem não será tarde.

— E o que tem em mente? — pergunta Camael um tanto curioso sobre qual tática seu ex-general irá basear o resgate.

— O plano mais simples de todos. Um ataque frontal. — responde surpreendendo o anjo guerreiro.

— Mas agora você não possui mais os poderes celestiais. — lembra o amigo. — Qualquer ferimento pode lhe ser fatal. — avisa.

— Não sei quais dos meus poderes perdi, mas o fato é que um deles continua comigo. A minha insuperável força. — e demonstra quebrando um pedaço de outra mureta apenas a pressionando com a palma de uma das mãos. — Viu?

— Isso já facilita as coisas. — constata. — Por um momento temi por você, mas vejo que minha preocupação foi apenas excesso de zelo.

Miguel retribui o comentário com um sorriso.

Segundos depois, um movimento de soldados começa a ocorrer em frente ao alojamento e eles se posicionam de forma a criar um corredor humano. Assim que o corredor se forma, o Inquisidor surge vestindo uma batina vermelha com detalhes em branco e carregando na mão direita uma tocha acessa. Miguel o olha e seus olhos se enchem de raiva. E logo atrás do Inquisidor, dois soldados trazem Arádia presa a grossas e pesadas correntes de ferro. O estado de Arádia é deplorável, está toda suja de terra e sangue, e marcas de violência física se espalham por todo seu rosto e corpo.

— O que fizeram com você... — pronuncia Miguel a olhando. — Mas não se preocupe que em breve a libertarei das garras desses monstros.

— Como sempre foi e será, meu amigo, eles jamais aceitarão aqueles que são diferentes e não se encaixam em suas perfeitas sociedades. — comenta Camael.

— Desde a criação é assim. — acrescenta. — Muitas vezes eles valem menos que os vermes que habitam o interior da Terra.

Os soldados levam Arádia até o centro da praça e a jogam ao chão, seu corpo bate nas pedras e sangue escorre de um ferimento aberto. O Inquisidor toma a frente e vira-se em direção a população e pronuncia:

— Hoje é um grande dia para a nossa cidade! Vejam quem temos aos nossos pés nesse dia quente de verão!

A população passa a cuspir nela e alguns jogam frutas e legumes estragados. Os objetos jogados a acertam no rosto e pelo corpo.

— Isso mesmo! — Incentiva o Inquisidor com um sorriso maldoso nos lábios. — Joguem o que tiverem as mãos nessa mulher imunda! A Rainha das Bruxas queimará hoje!

E a população que ali está comemora aos gritos com a declaração de que a bruxa será queimada.

Há alguns metros dali, Miguel olha para Camael e diz:

— Chegou a hora.

Camael assente com a cabeça e os dois saem correndo lado a lado em direção a praça.

Um homem junta uma pedra no chão e a arremessa em direção a Arádia. Miguel salta sobre um dos bancos da praça e num rápido movimento interrompe a trajetória da pedra a segurando em sua mão. E de imediato fuzila o homem com os olhos.

— Jogar pedras em quem não pode se defender é muito fácil. — acusa. — Quero ver fazer isto comigo! — desafia.

Enquanto isso, Camael já derruba alguns soldados.

O homem que havia jogado a pedra recua e é seguido por algumas pessoas. Miguel se posta em frente a Arádia e se agachando pergunta:

— Tudo bem com você? Eu sei que não, mas...

Arádia apenas ergue levemente o olhar.

— É você Miguel? — balbucia.

— Sou eu sim, meu amor. — responde. — Me perdoe pela demora em vir lhe buscar. Mas agora tudo ficará bem.

— Eu morri? — pergunta fechando os olhos.

— Não. — responde carinhosamente. — Mas deixemos para conversar depois, teremos tempo para isso. Agora vou tirá-la daqui.

Miguel segura uma das correntes e a quebra facilmente e logo após joga-a longe. Assim, liberando as mãos de Arádia. Ele se encaminha até os pés dela e faz a mesma coisa, liberando-a totalmente do suplicio das correntes. Apavoradas, algumas pessoas saem em disparada para suas casas. Miguel agarra Arádia carinhosamente em seus braços e alguns soldados se lançam em sua direção. Camael se põe na frente dos dois e intercepta os ataques dos soldados e os golpeia ferozmente, arremessando-os longe.

— Tire-a daqui. — fala Camael segurando um soldado que o atacou. — Eu consigo derrotá-los sozinho!

Miguel assente com a cabeça e sai correndo dali com Arádia em seus braços. Ele percorre alguns quarteirões e chega a um local descampado, onde ao longe avista o telhado de um mausoléu.

— Acabei de avistar um local onde poderemos nos esconder e então cuidarei de seus ferimentos. — fala Miguel.

Arádia abre os olhos e com um rápido correr de olhos, reconhece o local.

— Este é o caminho que leva ao cemitério. Muitas pessoas têm medo de se aventurar por aqui. Dizem que o lugar é amaldiçoado. — comenta.

— Melhor assim. — afirma.

Miguel segue em frente, e conforme vai avançando percebe que as plantas e os animais que ali estão, parecem abatidos, doentes, vítimas de alguma força sobrenatural. E conforme ele avança mais, a sensação se torna ainda mais evidente. Após vencer alguns matos altos, ele divisa ao longe os restos de um velho muro, e mais adiante numerosas lápides. Mais ao fundo, se encontra o mausoléu.

— Que coisa estranha... — comenta Miguel.

— Que é? — pergunta Arádia.

— Veja com seus próprios olhos. — responde.

Enquanto se aproximam, várias figuras humanas vagam pelo cemitério, parecem pessoas vestidas com farrapos, mas elas movem-se de forma cambaleante.

— Mortos! — exclama Arádia. — Só pode ser obra de algum necromante!

— Mas o que um necromante estaria fazendo aqui?

— O melhor lugar para treinar suas técnicas de controle de mortos é o cemitério. Há anos essa técnica é passada de geração a geração, mas apenas aqueles que desejam o mal é que a dominam.

Conforme Miguel vai avançando, os mortos percebem a aproximação e rumam em sua direção. Com rápidos movimentos de perna, Miguel vai golpeando um por um e os jogando longe. O impacto dos golpes muitas vezes acaba por mutilar as criaturas. Atacando e avançando, Miguel chega às portas carcomidas do mausoléu e adentra. Com um rápido movimento ele fecha a porta e se depara com o mau-cheiro quase insuportável do local. Com um rápido movimento de olhos, ele encontra a origem do fedor horrível. Montes de detritos de animais mortos e também partes humanas. Com uma olhada mais apurada, ele observa algumas figuras sinistras recurvadas sobre a podridão, devorando esfomeadamente a carniça. Alguns levantam as cabeças e ao cheirarem o ar, se viram na direção de Miguel e Arádia. O ataque é rápido. Miguel só tem o tempo de se esquivar e a criatura arrebenta a cabeça na porta. Não podendo utilizar as mãos, já que está carregando Arádia em seus braços, ele se utiliza das pernas tanto para atacar, quanto para se defender. Em poucos segundos as criaturas estão caídas no chão com seus corpos despedaçados e não demonstram mais serem ameaças.

— Acabou. — fala Miguel respirando mais aliviado.

Ele coloca Arádia sentada no chão com as costas apoiadas na parede e senta ao lado dela. Enquanto vai limpando os ferimentos com um pedaço de sua camisa, ele conta para ela tudo o que aconteceu com ele até o momento atual. Arádia ouve tudo o que ele conta com um misto de admiração e amor. Já que não é sempre que um Celestial desiste de sua vida no céu para viver uma vida mortal. Após ele contar, ela o abraça fortemente e desaba a chorar. Nesse momento, um raio de luz invade o mausoléu e banha o jovem casal. Os ferimentos causados a Arádia vão aos poucos desaparecendo e sua integridade física vai se recuperando até chegar ao ponto em que tudo o que foi feito a ela virá apenas uma memória ruim. Miguel olha para o céu e o feixe de luz desaparece, com um sorriso, ele agradece pela benção. Arádia esfuziante se levanta do chão e gira sobre os pés, dança sorrindo de alegria. Miguel apenas a admira, parecendo uma criança que observa pela primeira vez o pôr-do-sol.

Passos pesados ecoam do lado de fora e uma voz gutural grita pelo nome de Miguel.

Arádia pára de dançar e olha para Miguel.

— Quem o está chamando?

— Não sei — responde —, mas pela voz eu desconfio que seja um demônio. — mais uma vez o nome de Miguel é chamado. Ele olha para Arádia e diz: — Fique aqui enquanto eu vou falar com ele. E em hipótese alguma saia daqui, não importa o que ouvir. Entendeu?

— Entendi. — afirma, e então o fita profundamente e, com um ar de ternura, beija-o suavemente na face.

Miguel a abraça, retribuindo o gesto de carinho, e então abre a porta.

Um homem alto, extremamente forte e trajando uma armadura completa de cor negra o está esperando. Quando Miguel sai, o homem sorri e diz:

— Pensei que teria que ir buscá-lo lá dentro. Mas estou vendo que mesmo tendo se tornado um humano, não virou também um covarde.

— Não importa a situação em que eu me encontrasse, jamais eu seria um covarde, Asmodeus. — declara.

— Percebo que ainda lembra-se do meu singelo nome, ex-Celestial. — e sorri, mostrando os dentes amarelos.

— Infelizmente você não morreu quando o entreguei para as autoridades na cidade, então vim fazer isso pessoalmente. Pois como diz o velho ditado, “se quer um serviço bem feito, faça você mesmo”.

Com um forte impulso, Asmodeus se lança sobre Miguel e o atinge com um soco no rosto. Miguel sai deslizando pelo chão e atinge uma das lápides a destruindo. Sangue brota de sua boca e ele cospe no chão.

— Ficou mais fraco, hein Arcanjo? Está até sangrando. —rejubila-se, Asmodeus, com o momento.

Miguel se ergue do chão e corre na direção de Asmodeus o atacando como um verdadeiro guerreiro. Uma seqüência de chutes e socos é desferida, mas Asmodeus se esquiva de alguns e defende-se de outros facilmente. Asmodeus deixa Miguel atacá-lo freneticamente e percebe que o ex-Arcanjo está se tornando mais lerdo e sua respiração ficando mais ofegante a cada golpe desferido. Asmodeus o golpeia com um soco e Miguel cai sentado no chão.

— Sabe qual o problema em se tornar humano? É que você se torna fraco, se cansa mais rápido e infelizmente não pode mais matar um demônio como eu sem suas armas celestiais. Pena, né? — e caminha na direção de Miguel. — Eu pelo contrário, posso lhe matar com apenas um dedo e sem qualquer esforço. E hoje irei me vingar pela morte de meus filhos.

Nisso, Arádia abre a porta do mausoléu e se posta sobre a pequena escada de madeira e fecha os olhos. Um vento não natural começa a soprar e nuvens negras surgem no céu.

— Não está mesmo pensando em me atacar com magias, né bruxa?

Miguel fita-o e diz:

— Creio que seu ar de superioridade será esmagado.

Asmodeus franze o cenho em uma expressão confusa. Afinal, o que aquele ex-Arcanjo, agora caído no chão e humilhado, queria dizer com tais palavras? Ele estava vencido e uma mulher que solta faíscas das mãos jamais seria páreo para ele.

Estrondos ecoam nas nuvens e um raio cruza os céus seguindo na direção de Asmodeus. Este apenas sorri e então gigantescas asas brancas apontam em frente ao raio e Camael surge carregando sua espada mística. Sem qualquer reação de Asmodeus, Camael o atinge com a espada rasgando seu ventre e logo em seguida, seu corpo é atingido por uma violenta descarga de energia. Asmodeus é jogado longe e Camael voa e fica parado na frente dele com sua espada apontada para o pescoço do demônio.

— Seu fim chegou demônio imundo! — declara Camael.

— Ainda não! — vocifera Asmodeus, agora entendendo as palavras ditas por Miguel. — Eu sempre tenho um plano de fuga...

E seu corpo explode em uma densa fumaça negra que logo desaparece.

— Típico dos demônios. — comenta Camael.

Ele então caminha até Miguel e o ajuda a se levantar. Arádia corre até os dois e se abraça em Miguel.

— Tudo bem com você? Ele te feriu muito? — pergunta Arádia ávida por respostas.

— Está tudo bem comigo. — responde. — Meu corpo está menos ferido do que meu ego. — e sorri.

Camael olha para os dois e então diz:

— Vocês formam um belo casal. Fico feliz que tenha encontrado alguém tão especial para viver seus dias, Miguel.

— Obrigado, meu bom amigo. Mas me deixe apresentá-los devidamente. Esse é o meu amigo Camael, um dos melhores anjos guerreiros que conheci. Em breve será tão forte quanto um Arcanjo. — fala enaltecendo as qualidades de Camael. — E está é Arádia, a mulher que eu escolhi para viver minha vida.

— É uma honra lhe conhecer. — fala Camael apertando a mão dela. — Mas não exagere, ainda falta muito para eu chegar a tal nível.

— Sempre humilde. — fala Miguel elogiando o amigo. — Mas posso lhe garantir que sua força já é reconhecida entre muitas legiões. E depois dessa vitória, grandes histórias serão contadas sobre você se depender de mim.

— Mas eu nada teria conseguido sem a ajuda de Arádia. — comenta. — Surya criou um elo entre Arádia e eu, e então planejamos esse ataque. Asmodeus não esperava que eu surgisse em meio ao raio. Isso o deixou sem ação e facilitou o meu ataque. Sozinho eu não o teria vencido. — reconhece.

— A Surya sempre aprontando. — comenta Miguel. — O que seria de nós sem a ajuda dela sempre que precisamos.

— Mas se quiser me agradecer estou aberta a este tipo de coisa.

— Surya. — fala Miguel olhando para o lado.

— Em carne, osso e asas. — sorri. — Fico feliz que o plano que traçamos deu certo.

— Foi perfeito. — elogia Arádia. — Obrigada por sua divina ajuda.

— Não precisa agradecer, já considero você uma grande amiga e detestaria vê-la triste se o Miguel se machucasse. — Arádia sorri e Surya continua: —­ Mas também estou aqui por outro motivo. Houve um conselho no céu envolvendo alguns Serafins e eles chegaram à conclusão de que será necessário fazer você esquecer sua vida Celestial e também terá de perder o que lhe resta de poderes divinos. Desculpe-me, mas apenas sigo ordens.

— Eu entendo. Faça o que tiver de fazer, só não quero esquecer o meu bem mais precioso no momento. — e abraça Arádia.

— Quanto a isso não precisa se preocupar. Mas ela também terá de esquecer quem você é. Eu irei criar uma história para vocês. Tirarei os acontecimentos atuais e irei inserir outros e, farei com que vocês sigam para outra cidade, provavelmente longe dessas terras. Garanto que tudo ficará bem.

— Eu confio em você, Surya. — fala Miguel.

— Se o Miguel confia, eu também confio. — fala Arádia.

Então Miguel abraça forte Camael e Surya, e se despede dos dois com lágrimas nos olhos. Surya olha para Camael e então ergue sua mão direita com a palma aberta e uma luz cegante atinge Miguel e Arádia por alguns segundos. Quando a luz cessa, Miguel e Arádia estão se afastando do cemitério e rumando em direção ao horizonte.

— Lá se vai o nosso maior general. — comenta Camael. — Sentirei falta desse bravo guerreiro.

— Não fique triste, ainda o veremos antes do Juízo Final. — avisa. — Quem você acha que liderará as tropas celestes?

Camael sorri e os dois desaparecem com o sentimento de dever cumprido.

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