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Armagedon - Um Mundo em Caos / Final Odyssey de Fernando Athayde dos Santos é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Um Mundo em Caos - 13


O dia amanhece e Gabriel já está de pé caminhando de um lado para o outro. O calor na região sul do Brasil nessa época do ano é um dos piores do país e o sol já está ardendo do lado de fora.
— Que povo que dorme. — pensa Gabriel abrindo a porta da casa.
— Pensando em ir e nos deixar?
— Jamais faria isso, Miguel.
— Eu sei, só estava pegando no seu pé. Afinal, não é       todo o dia que se pode fazer isso.
— Tá certo. E os outros não vão acordar?
— Era pro Rafael já estar de pé. Ele sempre acorda cedo.
— Mas vocês gostam de falar dos outros, hein? Nunca vi. — fala Rafael chegando junto com Raguel que trás em seu colo o filhote.
— Acontece. — fala Miguel sorrindo.
Gabriel olha para o filhote e diz:
— Eu ainda não havia tido tempo de observar esse cãozinho, mas pelo que estou vendo ele é um Akita, certo?
— Humm, não sei. — responde Raguel.
— Bom, deixa eu olhar mais de perto. — fala Gabriel.
Ele caminha até Raguel e fica olhando para o filhote e então confirma o que havia dito antes: — Esse cãozinho é um Akita, sim. Ele já tem nome?
— Ainda não. — responde Raguel.
— Não sei se vocês viram o filme Sempre ao seu Lado. Mas tem um Akita nesse filme. O ator principal o encontra e após tentar achar o dono sem sucesso acaba por ficar com o filhote. Enfim, é um ótimo filme para se olhar. O nome desse Akita no filme é Hachiko, mas o chamam de Hachi. Acho um belo nome.
— Também achei. — fala Miguel.
— Eu gostei também. — fala Raguel fazendo carinho na cabeça do filhote. — O que acha de chamarmos você desse nome, hein? — pergunta olhando para o filhote. E este late para ela.
— Olha, parece que ele gostou. — fala Rafael.
­— É verdade. — concorda Raguel. — Até latiu. Então ele vai se chamar Hachi.
Miguel caminha até a porta e então olha para o carro e diz:
— Vamos comer alguma coisa antes de sair ou deixamos para fazer isso no carro? Tenho bastante salgadinho, bebidas e biscoitos no porta-malas. Estou por vocês.
E enquanto isso, em uma cidade completamente destruída. Uma garota de longos cabelos castanhos, óculos Rayban escuros e vestindo roupas escuras, coturnos pretos e luvas de lycra para proteger as mãos, caminha sobre montanhas de escombros que outrora foram prédios.
— Finalmente cheguei nessa parte da cidade, atravessar escombros, matos e outras coisas me fez perder bastante tempo. — pensa a garota apoiando as mãos na cintura e olhando para o céu onde um escaldante sol arde sem parar. — Sem falar que eu acabei me perdendo, mas nada que uma plaquinha de beira de estrada não me ajudasse. Passei até por cima dos escombros do estádio Olímpico, que foi onde achei o caminho pra cá. Cansei de correr...
Ela começa a caminhar por sobre os escombros da cidade e cruza por algumas pessoas que olham para ela com um olhar de curiosidade, outras com um olhar de ódio como se ela tivesse feito alguma coisa terrível para elas. E muitas se afastam do caminho deixando livre para ela passar.
— Que pessoas estranhas... ­— pensa. — Parece que fiz algo pra essa gente... — e ela continua sua caminhada até chegar a uma parte que ainda está preservada e entra em um beco com pouca iluminação, que logo à frente se divide em uma bifurcação. — Hummm... qual lado?
A garota segue o caminho da esquerda e se depara com pessoas idosas caídas ao chão, crianças tão magras que é possível ver seus ossos grudados a pele, mães com seus bebês subnutridos no colo que não param de chorar, mulheres vendendo seu corpo, jovens sendo espancados por homens armados com metralhadoras. Imagens horríveis de se ver, mesmo para quem já viu coisas terríveis também.
— Isso não acaba nunca, esse mundo é tão podre não importa a forma em que vivemos! — pensa olhando para os lados. — As trevas parecem afundar ainda mais as pessoas na pobreza e na miséria. Mas quem dera que fosse realmente as trevas. Como um amigo diz: O ser humano é podre na sua essência.
Ei, estrangeira! — uma voz rouca corta o ar.
— Será comigo?
— Ei, estrangeira. — fala um homem de bigode encostando a mão no ombro da garota. — O que procura?
— Nada em especial. ­— responde ela dando de ombros para o homem retirar a mão.
— Procura armas? Tenho as que você quiser. É só me acompanhar.
— Eu já falei que não estou procurando nada de especial. Com licença...
— Já sei, você procura uma companhia feminina, não é? Vejo que acertei. Tenho as mulheres mais fantásticas da cidade para lhe oferecer.
— Cara, é bom você cair fora.
— Ou você prefere as novinhas? Ou novinhos? Tenho até de doze a... — antes que o homem possa terminar de falar a palavra, sua traquéia começa a ser esmagada pela mão da garota que o agarrou em fração de segundos.
— Seu monstro!!! Como tem coragem de fazer isso? — pergunta ela. — Você não é nada!!!
— Argahhh... me larga!!! So-socorro!!!! — consegue gritar o homem.
Nisso, cinco homens que estavam mais a frente ouvem o grito e um deles diz:
— É o Abdullahi Nabhan!!! Aquela mulher está matando ele! Vamos lá!!!! — Os homens saem correndo com suas armas na mão em direção a garota e o Abdullahi.
— Vejo que você tem amigos. — fala ela. — Deve ser influente nessa latrina. O maior merda da privada.
— Eles vão matar você! — sorri o homem. — Ninguém se mete comigo e sai vivo. Ninguém! Seu sangue vai jorrar!
Os homens chegam até os dois, apontam suas armas para a garota e o mais alto deles que está usando uma bandana vermelha amarrada ao pescoço diz:
— Solta o cara! E não é um pedido, é uma ordem!
— Tá legal. — fala a garota tirando a mão do pescoço do Abdullahi. — Vão fazer o que?
— Cala a boca! De joelhos!
A garota se ajoelha e um dos homens diz:
— Depois que você morrer, esses óculos serão meus! Por isso, atirem na cabeça.
— Acham que vão me matar. — pensa ela. — Coitados, não sabem com quem se meteram.
— Coloca as mãos para trás!
— Era exatamente isso que eu estava esperando. — pensa sorrindo.
— Do que você está rindo? — pergunta Abdullahi. — Já aceitou a morte que está até sorrindo?
Ela apenas sorri.
— Atirem nela!!! — o som dos tiros e das cápsulas das balas atingindo o chão podem ser ouvidas de longe.
Os homens que estavam no beco, inclusive Abdullahi, caem no chão com seus corpos despedaçados e sangue escorrendo pelo chão e as paredes pintadas com o vermelho do sangue.
E caminhando para o outro lado da cidade, a garota está usando a bandana que pertenceu a um dos homens. Ela então olha para o céu e pensa: — A limpeza já começou... Não são apenas com os mortos-vivos que precisamos nos preocupar hoje em dia. O ser humano consegue se tornar pior do que essas criaturas. Explorar as pessoas dessa forma é muita crueldade.
A garota continua seguindo seu caminho e então uma garotinha sai de trás de uma casa feita de madeiras e pedaços de lona, e pergunta:
— Você que é a pessoa que chamam de Viúva?
— Sim, sou eu. Por quê?
— Obrigada.
— Porque está me agradecendo? Não me lembro de ter feito algo para isso.
— Os homens maus que você matou, eles machucavam minha mãezinha. Tiraram a visão dela.
— O quê?!
A garotinha segura à mão da Viúva e diz:
— Venha comigo. Por favor...
A Viúva acompanha a garotinha e esta a leva para o seu casebre. A garota entra e então vê a mãe da criança sentada em uma cadeira bem velha. A aparência dela é de uma senhora de idade já avançada e seus olhos são tapados por um lenço amarrado em cabeça. A garotinha caminha até sua mãe e diz:
— Eu trouxe visita mamãe.
— É? E quem você trouxe meu anjo?
— A Viúva.
— Quantas vezes vou ter que dizer que ela não existe, é apenas uma história que contam nas ruas. Dizem que ela se veste de preto porque perdeu seu noivo numa luta desesperada para sobreviver. E dizem que essa luta foi contra uma multidão de zumbis. Enquanto ele ficou lutando pediu que ela seguisse em frente e não olhasse para trás. Uma história trágica, dois jovens apaixonados separados por uma morte terrível. E dizem que ela continua esperando por ele até hoje.
A garota então se aproxima da mãe da criança e diz:
— A história é um pouco diferente da que é contada nas ruas. Mas eu continuo esperando por ele sim. Acredito que um dia ele irá me encontrar. Mas acredite, ele não morreu enfrentando uma multidão de zumbis. Aliás, não acredite em tudo que dizem.
— Você é real mesmo? — pergunta a mãe da garotinha incrédula.
— Pode acreditar que sim.
— Ai meu Deus, sente, por favor. Não repare na minha casa. Não tenho condições de cuidar dela como deveria.
— Não se preocupe com isso, senhora.
— Filha, traga algo para a moça beber.
A garotinha vai em direção a outro cômodo e então a garota aproveita para perguntar:
— A sua filha me falou que tiraram a sua visão. Por quê?
— Há quinze dias, três homens vieram aqui e queriam... abusar da minha filha. Eu não deixei, ela tem apenas nove anos. E não importa a idade, jamais deixaria. — fala a mãe com lágrimas nos olhos. — Disse que poderiam fazer o que quisessem comigo, mas que a deixassem em paz. Eles fizeram, nunca senti tanto nojo em toda a minha vida. E como presente, disseram que a última coisa que eu veria seria o rosto deles. E então me seguraram e um quarto homem veio, Abdullahi, disse que a palavra seria cumprida e ninguém tocaria na minha filha. E depois ele usou uma agulha e furou meus olhos.
A garota segura a mão da senhora e visivelmente enfurecida lhe dá uma notícia:
— Eles jamais irão lhe perturbar novamente. Suas almas agora ardem no inferno. Sei que isso não irá lhe devolver sua visão, mas a senhora está vingada.
— Obrigada moça. E não irei lhe chamar de Viúva, nunca. Se você conseguiu esse feito, acredito e rezarei para que seu noivo lhe encontre um dia. Se ele for tão corajoso e forte como você é, ele deve estar nesse exato momento lhe procurando.
— Eu acredito que sim. Jamais vou deixar de acreditar. Sem nossos sonhos e esperanças o que somos senão cascas vazias.
— É verdade. Conversamos e nem perguntei seu nome. Nem sei seu nome verdadeiro.
— Eu abandonei meu velho nome por enquanto, mas pode me chamar do que você achar melhor.
— Lhe chamarei de amiga.
A garotinha então volta trazendo um copo de água.
— É tudo o que temos para beber. Desculpa.
A garota pega o copo de água e passando a mão na cabeça da menina diz:
— Nem sempre as pessoas querem o que há de melhor, pois muitas vezes o necessário é apenas um copo de água para matar a sua sede.
A garotinha sorri.
— Eu preciso ir. — fala a garota se levantando. — Ainda tenho uns assuntos para resolver.
— Muito obrigada por tudo. — agradece a mãe da menina.
— Só fiz algo que já deveria ter sido feito há muito tempo.
A garota vai embora caminhando e a menininha fica balançando a mão dando tchau para ela. A garota apenas sorri e segue seu caminho.
E no meio da destruição, do caos e da desordem surgem pessoas que são capazes de lutar contra o caminho das trevas. A Viúva, como assim a chamam, é uma dessas pessoas. Não aceitou a forma como o mundo segue, não deixou a ganância falar mais alto, preferiu a luz. Um caminho talvez mais tortuoso e cheio de espinhos, mas que no final pode trazer grandes surpresas.
E em Canoas, o quarteto está pronto para seguir sua viagem rumo a Porto Alegre. Estão todos dentro do carro apenas esperando Rafael apertar o botão do portão eletrônico.
— Ter um pequeno gerador em casa foi uma das melhores coisas que podemos ter pensando. — fala Rafael apertando o botão no controle.
O portão se abre e Raguel acelera o crossover e arranca cantando pneu e atropela alguns zumbis que teimam em se colocar na frente do carro.
— Bichos estúpidos! — resmunga Raguel.
O carro além de atropelar os zumbis passa com as rodas por cima dos corpos, os destroçando. E Raguel para aumentar o número de corpos no chão fica desviando o carro na direção dos mortos-vivos para ir atropelando eles e assim evitar que num futuro esses mesmos bichos estúpidos, os alcancem para onde quer que eles sigam caso Porto Alegre não seja o esperado. Eles rumam em direção a BR 116 e então ela segue a esquerda pegando o caminho para a capital. E assim eles seguem rumo a uma cidade que agora se tornou desconhecida para eles.

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