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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Um Mundo em Caos - 19


Três dias se passaram desde que eles tiveram o encontro com a Jennifer em Porto Alegre. Durante esse tempo tudo transcorreu normalmente, e eles utilizaram os dias para descansar, conversar, praticar algumas atividades físicas e principalmente relembrar os velhos tempos.
Então o quarto dia amanhece...
Miguel está sentando aos pés da cama com seus braços apoiados nos joelhos e sua feição é de alguém que está bastante pensativo. Então Jennifer se aproxima dele e pergunta:
— Desde ontem a noite que você está assim, pensativo. O que está acontecendo?
— Estou pensando em algumas coisas que ainda não consegui entender. — responde. — Três pessoas vieram te visitar ontem e você ficou reunida com elas por umas 2 horas. Pude perceber que eram dois homens e uma mulher, mas seus rostos estavam cobertos por capuzes. E ultimamente isso me causa arrepios. E não é apenas isso, você possui uma admiração por onde caminha, um respeito absurdo por parte das pessoas.
— E você falou, falou, mas não fez a pergunta que sei que quer fazer.
— O caso é que eu não quero que você esteja metida em algo errado, porque sei que você nunca foi disso. Pelo menos não era.
— Não sou uma fora-da-lei se é isso que quer saber. E também não fiz nada de errado e nem sou o Robin Hood. Essas pessoas gostam de mim e me respeitam por que eu as libertei de pessoas que aterrorizavam esse lugar. Eu vi com meus próprios olhos o terror em que essas pessoas viviam. E não faz muito tempo que isso aconteceu, elas ainda estão se acostumando com o fato de que agora são livres.
— Você virou uma espécie de heroína? É isso?
— Não diria desta forma, mas pode-se dizer que em partes sim. Ajudo as pessoas e não peço nada em troca. — ela então caminha até a porta, — Esse lugar que estamos era de propriedade do manda-chuva daqui, o nome dele... Abdullahi Nabhan. — ela suspira e então continua, — Eu o assassinei. É isso que faço. Matei cada pessoa ligada a ele. Vinte pessoas no total. Isso me faz uma assassina. E eles não foram os primeiros e nem serão os últimos.
Miguel se levanta e passando a mão no rosto diz:
— O que você se tornou... Por que isso?
— O que eu me tornei? Eu continuo a mesma pessoa. Você viu alguma diferença em mim? No meu jeito? — Miguel nada responde. — Você sabe que eu sempre odiei a injustiça, nunca fui de me deitar numa cama de rosas e deixar as coisas rolarem sem me intrometer. Sempre bati de frente com o que achava errado. Eu só precisava de um empurrão pra me tornar alguém maior do que nunca fui.
— Mas isso?
— Porque você não diz a palavra? Assassina! É isso que sou agora! Eu quase morri andando por essa cidade, apanhei muito e estive a beira da morte. Mas um padre me encontrou e cuidou de mim, curou meus ferimentos. Eu me recuperei e passei a enxergar o mundo com outros olhos, ele me ensinou a atirar e lutar. Voltei a treinar ginástica olímpica para fortalecer meu corpo e treinei exaustivamente arco e flecha. E duas semanas atrás fiz minha primeira missão, ele julgou que eu estava pronta. Invadi o território dos Skinheads e liderei um massacre contra eles.
— Liderou?
— Sim. — responde. — Eu nunca estou sozinha. As pessoas não sabem disso, mas possuo duas sombras que me seguem para todos os lugares. É a minha guarda pessoal. Sem elas não teria feito metade das coisas que fiz. Você não as vê, ninguém as vêem, mas elas estão mais próximas do que você pode imaginar.
— E quem eram aquelas pessoas ontem?
— Finalmente perguntou. Eram o Padre Antonini e as outras duas pessoas não posso dizer quem são. Você as conhecerá no momento mais oportuno.
— Isso é muito misterioso pra minha cabeça. E porque diabos eles escondem seus rostos? Tem medo do que as pessoas vão dizer? É muita frescura!
— Você nunca entende as coisas. Estamos causando uma revolução na forma como as coisas estão acontecendo há dois meses. Estamos quebrando correntes e libertando escravos da situação. Então a última coisa que você vai querer é mostrar seu rosto e se tornar alvo num momento em que você não esteja protegido. É apenas por isso.
— Hummm. E o que eles queriam? — pergunta com um tom sério na voz.
— Outra missão. Contra os africanos. Vocês passaram pelo território deles e não foi nada agradável. — então ela abre a porta e olhando para Miguel diz: — Agora que eu lhe falei tudo, a porta está aberta para você sair se quiser. Agora se ficar terá que aceitar o que sou.
Então Miguel caminha até a porta e olha Jennifer nos olhos por alguns segundos e fechando a porta diz:
— Eu não vou sair. Sabe por quê? Porque no seu lugar eu teria feito a mesma coisa. Quem sou eu para te julgar? Ninguém. Você tem seus motivos e não vejo maldade nos seus olhos, apenas sinceridade em cada palavra que você diz. E respondendo duas perguntas que me fez anteriormente, você não está diferente no seu jeito de ser. A sua essência continua aí, a Jenny que me apaixonei continua aí dentro de você. Apenas notei que você está mais madura.
Ela o abraça bem forte e dá um beijo de abalar as estruturas. Então ele coloca as mãos na cintura dela e diz:
— E onde você for eu vou. Serei sua guarda pessoal a partir de agora.
Jennifer sorri e lembra-se das palavras que o Padre Antonini disse a ela e as repassa a Miguel:
— Sabe, o Padre Antonini me disse uma coisa ontem e hoje fez todo o sentido. Ele disse que “as pessoas tendem a ficar relutantes quando não conhecem as reais causas de uma missão de guerra. Mas que quando as palavras proferidas com sinceridade e crença naquilo que é dito invadem a alma de tal forma, com tal fulgor que até quem antes era contra, passa a ficar a favor”. Você foi um bom exemplo disso.
— Verdade.
— Agora precisamos nos arrumar, não podemos sair de pijama e camisola. — fala caminhando em direção ao roupeiro. — E tenho uma surpresa pra você, aliás, foi o Padre Antonini que mandou que trouxessem roupas para você. Disse que algumas seriam perfeitas para me acompanhar.
— Hummm... E quais seriam?
— Eu mandei uma lista de roupas e combinações que você gosta. Foi difícil de achar. E eu vou usar uma roupa semelhante a sua. Nem faz idéia, né?
— Nem. — responde agarrando Jennifer pela cintura. — Ah, pára de mistério, me mostra logo.
Ela abre a porta do roupeiro e pendurado nos cabides há várias combinações de roupas de muitos estilos e em variadas cores.
E do lado de fora do prédio, Rafael observa o movimento das pessoas pelas ruas. Ao longe, alguns homens trazem animais as suas costas. Mas ele não consegue distinguir quais animais sejam, apenas que são de porte médio. Ao olhar para o outro lado, vê Raguel subindo a rua em direção a ele. Ela está com o semblante fechado.
— O que houve? — pergunta Rafael.
— Não sei ainda. — responde. — Vi umas pessoas vestindo mantos brancos vindo nesta direção, mas as perdi de vista quando dobraram a esquina. Simplesmente sumiram.
— E você está preocupada com isso? Não se esqueça que ontem a Jennifer esteve reunida com três pessoas vestindo esses mesmos mantos. E até agora não sabemos o que conversaram.
— Sobre isso eu tive uma conversa com o Miguel. Achei muito estranho. E ela parecia obedecer a eles. Mas ele me garantiu que iria conversar com ela sobre isso. E dependendo do que ele me contar depois, vou decidir se fico aqui ou vou embora.
— Como assim?!
— Lembra o que lhe contei sobre o que aconteceu em Canoas?
— Claro que lembro. — responde. — Como poderia esquecer.
— Então, e se forem o mesmo tipo de pessoas? Eu não quero conviver com aqueles monstros!
— E você acha que o Miguel aceitaria algo assim? Pelo que ele passou, tenho certeza que ele seria o primeiro a cair fora daqui. Ou iria se vingar. Pode ter certeza disso. Mas sinceramente, acho que você não precisa ficar se preocupando com isso. Se realmente fosse o que você está pensando ele já teria vindo nos falar.
— Pode ser. Mas por precaução ficarei de olho no que rola pelas ruas. Não é meu coração que afeta meu discernimento sobre as coisas. Resumindo, não estou cega por nenhum sentimento.
— Acho que você está se preocupando a toa.
Então Gabriel sai de dentro do prédio e com um sorriso no rosto diz:
— Bom dia para vocês! Acho que não dormia assim a meses. Que noite!
Raguel o encara de forma diferente. Como se o mandasse calar a boca. E Rafael percebe que há algo de estranho no ar. E então as últimas palavras que Gabriel disse passam a fazer sentido para ele.
— Bom, com licença. — fala Rafael. — Vou ver se o Miguel já acordou. — e sai caminhando.
Raguel então puxa Gabriel pelo braço e com um tom áspero na voz avisa:
— Se abrir a boca novamente para falar qualquer coisa eu juro que te arrebento!
— Calma pimentinha. Ele nem sacou nada.
— Mas deve ter pensado outra coisa, né? Maldita hora em que te convidei. Já te falaram que você tem a boca grande? Se não, eu te digo!
— Calma, é melhor ele pensar isso do que o que realmente fizemos.
— Falando nisso, vem comigo. É melhor andar com um ogro do que sozinha. Vamos dar umas voltas por aí.
E dentro do prédio, Rafael está sentado no sofá lendo um livro quando Miguel e Jennifer entram pela porta da sala. Ele então tira os olhos do livro e ao ver os dois dá um sorriso e comenta:
— Vocês estão indo pra alguma festa? Porque parece.
Miguel está vestindo uma camiseta manga longa Armani de viscose bem justa ao corpo com zíper frontal na cor preta — o que deixa visível sua musculatura. — e os dois cintos cruzados no peito levam as costas suas duas espadas. Sua calça é no estilo cargo com bolsos laterais junto aos joelhos também na cor preta. Suas mãos são protegidas por luvas táticas semi-dedo na cor grafite. Na cintura leva duas pistolas em seus respectivos coldres e munições atreladas aos suportes do cinto. Está calçando botas de rapel na cor grafite com detalhes em cinza. E prendendo seus cabelos para trás está um óculos tático com lentes escuras. Jennifer veste o mesmo tipo de roupa com algumas diferenças visíveis. Ao invés de camiseta, ela veste uma blusa de lycra com mangas longas e zíper frontal aberto até metade de seu busto. Suas mãos são protegidas por luvas táticas semi-dedo na cor preta. Sua calça é no estilo cargo, mas ao contrário de Miguel, a dela é justa ao corpo evidenciando sua silhueta. Ela usa um cinturão estilo robocop em nylon preto e fivela em plástico na mesma cor, composto por porta objetos para oito pentes e dois coldres para armas — onde estão suas duas pistolas, M93R, — com tiras presas em suas coxas. Por sobre a calça há botas de couro de solado rasteiro na cor preta. E por fim, ela possui os mesmos óculos táticos prendendo seus cabelos para trás.
— Não. — responde Miguel. — Vamos dar um passeio.
— Armados até os dentes? Conta outra. — ele se levanta e um tanto contrariado, diz: — Cara, eu estou ficando cansado de vocês ficarem escondendo as coisas de mim. Acham que eu sou tão idiota assim? É a Raguel e o Gabriel, vocês! Poxa, dêem um crédito para mim.
Jennifer caminha até ele e diz:
— Contaremos tudo a você quando retornarmos, por enquanto, isso deve ficar apenas entre nós. Não comente nada com os outros. Tá bom? E não estamos escondendo nada de você e muito menos achamos que você é um idiota, pelo contrário, você é o mais inteligente aqui. Nunca foi preciso dizer nada para que você sacasse as coisas com um simples olhar. Acredito que você já esteja inteirado de muitas coisas, mas as está guardando pra você. Responderei todas as perguntas, mas não agora.
— Pode crer que sim. Ficarei aguardando o retorno de vocês. Cuida desse cara.
— Com certeza. — quando estão saindo ela olha para trás e solta um comentário: — Ah, depois dê uma olhada no roupeiro do seu quarto, creio que irá gostar do que tem lá. Faz o seu tipo. — e então se retira da sala.
Ela e Miguel seguem um longo corredor e então saem por uma porta que leva a parte de trás do prédio. Onde havia uma rua, agora há apenas escombros a cobrindo e alguns prédios semi-destruídos com suas paredes completamente destruídas, onde é possível ver suas estruturas internas. Alguns ônibus capotados e outros esmagados por escombros. E sentado sobre um destes ônibus há um garoto franzino, de pele morena e longos cabelos negros.
— Estava esperando por você, Vi. — salta de cima do ônibus. — Foi difícil encontrar o que você pediu, passei dois dias procurando. Mas encontrei.
Jennifer sorri e pergunta:
— E onde está?
— Já busco. — responde saindo correndo em direção a um ônibus.
— Quem é ele? — pergunta Miguel.
— O Pedro. — responde ela. — Salvei ele de um ataque de zumbis há umas três semanas atrás. Depois disso ele passou a me ajudar.
Ele volta carregando duas sacolas, uma em cada mão. Jennifer caminha até ele e pega uma das sacolas. O garoto abre uma delas e pega um arco e o entrega para Jennifer. É um arco composto com polias de alumínio, — essas polias especiais super speed possuem stop string, — grip anatômico de borracha, laminas de fibra de vidro com carbono unidirecional pultrudado. Cabos de aço revestidos com nylon, corda de dracon e não deve pesar mais que dois quilos.
— Era desse estilo que eu queria. — fala Jennifer. — Encontrou flechas também?
— Nenhuma. E esse foi o único arco que encontrei em bom estado. Mas meu pai fez algumas flechas pra você. Tão nessa outra sacola.
— Hummm. Vamos ver... — ela abre a sacola e dentro há uma aljava feita com tecido de sofá com algumas flechas dispostas com a seta para baixo. — Têm quantas aqui?
— Vinte. Foi o que o pai conseguiu fazer.
— Tá mais do que bom. Agradeça ele por mim. Agora vá para casa e se cuide.
— Tá bom, Vi. Tchau. — fala saindo correndo.
— Vi? — pergunta Miguel curioso.
— É uma longa história. Te conto outra hora. Agora vamos seguir o plano.
— Beleza. E como passaremos por aquela maré de mortos-vivos?
— Por baixo deles. — responde
— Como assim?!
— Iremos pelos esgotos. É uma forma rápida de chegarmos lá e provavelmente encontraremos poucos zumbis pelo caminho. — ela ajusta a cinta da aljava e a pendura nas costas. — Quando digo provavelmente, é que posso estar errada e poderemos encontrar muitos, mas muitos mortos-vivos. Ainda quer ir?
— Não deixaria você sozinha por nada. Só me diga uma coisa. Isso que iremos fazer é o correto? Não há pessoas inocentes que poderíamos ferir?
— Posso lhe garantir que não. Tenho a descrição de cada um que...  enfim, não há com o que se preocupar. Confie em mim.
— Vou confiar.
— Então me siga. — fala ela prendendo o arco em suas costas. — Estou pronta.
Ela caminha um pouco em linha reta e se aproxima de um dos ônibus. Próximo a ele há uma parte no chão que se encontra limpa e é possível ver o asfalto e a tampa do bueiro. Jennifer olha para Miguel e pede ajuda para ele que prontamente se aproxima dela e a ajuda a retirar a tampa. Eles descem as escadas e chegam às galerias do esgoto.
— Aqui estamos. — fala Jennifer pegando uma lanterna no bolso da calça. — De agora em diante seguiremos um caminho que eu só vi num mapa, então teremos que manter os olhos bem abertos para qualquer movimentação ou barulho suspeito. Como só tenho uma lanterna, eu a seguro e você me da apoio, tudo bem?
— Claro. — responde sacando suas espadas. — Ilumina o caminho que o resto eu cuido.
E assim eles seguem o longo corredor escuro. Jennifer ilumina o chão e o caminho no qual deveria correr água está seco. Coberto por uma grossa camada de terra.
— Que cheiro nojento. — reclama Miguel. — Vai levar uma semana para tirar essa inhaca do meu corpo.
— Não exagera. Um bom banho tira isso em cinco minutos.
Nisso, eles ouvem um barulho mais adiante.
— Ilumina bem à frente e segue mais atrás de mim. — fala Miguel erguendo suas espadas. — Preciso de espaço para atacar caso seja necessário.
Ela passa a iluminar o corredor da forma que Miguel sugeriu e iluminando uma parte da parede há marcas de sangue que criam um rastro seguindo em direção a outro corredor. Há frente deles há três corredores a seguir, e esse rastro segue em direção ao corredor da direita.
— Não parece sangue velho. — constata Miguel passando o dedo. — Ainda está quente.
— Mas não ouvimos nenhum grito ou algo do gênero.
— O fato é que não estamos sozinhos aqui. E quais destes corredores temos que seguir?
— O da direita. — responde iluminando ele.
— Era a resposta que eu temia ouvir. Mas vamos lá, fazer o que...

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